domingo, 22 de dezembro de 2013

Natal


     Falem o que quiserem, mas eu adoro tradições natalinas. Decorações se espalhando por cada canto da casa, cardápio especial e a felicidade de montar o pinheirinho. Sim, eu adoro tudo isso!

     Quando criança os natais eram na casa da vovó, no sul do Brasil. Pra mim era mais que Natal, era mágico. O pinheiro montado no cantinho da sala parecia o maior e mais lindo que existia! E, embora não tivéssemos aquela ceia tradicional, ainda assim o cardápio da noite era diferenciado. Delícias que eram feitas para aquela ocasião se espalhavam pela mesa. Era tão bom ver o rosto do meu vovô iluminado pelas velinhas no pinheiro e pelo amor que sentia pelas mulheres da sua vida: minha avó, mãe, tia, e nós, as quatro netas. Era um dia especial, brincávamos na rua com as outras crianças da vizinhança, dia de dormir tarde (ou ao menos, mais tarde que o normal), de expectativa pelos pacotinhos lindamente embrulhados que nos aguardavam. Nem o calor das noites de verão rio grandenses atrapalhava a magia daquela que era, pra mim, a melhor noite do ano.

     A vida inteira sonhei que um dia teria minha casa inteira decorada, como em filmes, e, se possível, neve do lado de fora da janela. Sim, sempre sonhei com Natal de filmes. Esse ano passarei o primeiro Natal branco da minha vida. Bem branco! Na sacada do quarto tem mais de 60cm de neve e, mesmo que não caia mais até dia 24, também não irá
Ceia especial nem que seja pra um.
derreter, ou seja, o Natal será branquinho, branquinho. A casa ainda não está totalmente decorada como nos meus sonhos, não por falta de vontade... mas o cantinho do pinheiro está ali, me fazendo sorrir. Aliás, no dia que saí pra buscar um pinheirinho, voltava pra casa trazendo no carrinho aquela arvorezinha viva quando começou a nevar. Um sorriso se abriu no meu rosto. Não sei nem explicar a satisfação de estar carregando o maior símbolo do Natal (ao menos pra mim) sob a neve. Parecia que fazia todo o sentido do mundo!
     Sei que pode parecer bobagem pra muita gente, mas cada um tem seus sonhos e a importância deles é pessoal. O meu sonho de Natal ainda é calorzinho dentro de casa, com muitos sorrisos e abraços sem pressa, uma festa que entre noite adentro, uma mesa cheia de guloseimas especiais feitas para um dia especial, casa inteiramente enfeitada, pinheirão decorado e o mundo branquinho lá fora.

domingo, 15 de dezembro de 2013

Preparando para o inverno

     Vindo de um país tropical, não tinha a mínima idéia de como as pessoas se preparam para o inverno. Como todos sabem, passei um ano em Berlim, cidade que dizem ter um inverno rigoroso para os padrões tropicais. Mas por lá a estação foi menos intensa e, definitivamente, menos branca.
   
Algumas semanas atrás comecei a notar diferenças na paisagem de Montreal. Eram as pessoas se preparando para a neve que, inevitavelmente, chegaria em algum momento. Não presenciei isso em Berlim. Talvez porque a incidência de neve ser menor, mas o fato é que a única diferença que vi por lá foi o pessoal trocando os pneus por pneus de inverno, e fontes serem cobertas por tapumes de madeira. Aqui em Montreal é diferente.
Moro numa região bem residencial com muitas casas e prédios com apenas três apartamentos. Talvez por isso tenha sido mais fácil observar o comportamento das pessoas durante a mudança do verão para o outono e, agora, para o inverno.
   
Um dia, caminhando pela rua, percebi que uma casa tinha um toldo branco saindo da garagem. Achei estranho. No fim de semana seguinte, quase todas as casas e prédios tinham esses mesmos toldos. E o mais engraçado são os apartamentos subterrâneos: a entrada do apartamento é cercada de toldo por todos os lados e parece que se está entrando em um cenário de filmes como "Epidemia". Plantas são protegidas, escadas ganham piso de borracha, corrimãos e pisos das varandas são trocados e, onde antes não existiam, colocados.
     Quando a neve finalmente aparece, percebe-se outras coisas. Nos prédios, cada um é responsável pela remoção da neve na sua sacada e, nas áreas comuns, o encarregado pelo edifício. Nas casa, claro, cada um lida com a neve como bem entende. Em frente à janela do meu quarto tem uma casinha linda onde mora um casal de velhinhos. Todo dia que neva, um carro vermelho chega por volta das 9:00, e de dentro sai um homem armado de pá, vassoura e um tipo de carrinho de mão feito especialmente para neve. Ele limpa a entrada da casa, o caminho até a calçada, a garagem, sacode o toldo sobre o carro, e limpa a saída da garagem até a rua. Depois, entra no carro e vai embora.
Nunca o vi conversando com os donos da casa, acho que deve ser uma pessoa contratada para fazer esse serviço pra quem já cansou de fazê-lo por anos a fio.
     Até agora não vi diferença no comportamento dos montrealenses simplesmente porque a estação mudou, como acontece em Berlim. Por aqui, não existe bipolaridade sazonal. Continuo vendo sorrisos pela rua, pessoas felizes arrumando jardins, portas e janelas para o Natal e crianças se atirando em todo e qualquer morrinho de neve que aparece no caminho. Vizinhos se cumprimentam, brincam, dão gargalhadas e dividem café enquanto retiram a neve da frente de suas casas. Na rua, pedestres se entreolham e riem uns para os outros pelo fato de estarem só com o rosto descoberto. Desconhecidos passam e falam com um sorriso no rosto: "froid, huh?". E eu? Simplesmente amando tudo isso.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Sentindo

     Engraçado prestar atenção nos caminhos que a vida faz. Como algo que começou de coração aberto e pronto pra uma vida diferente se transforma em algo que fecha esse mesmo coração. E, aquilo que abriria os campos da vida social, é a mesma coisa que a trava. Não sei. Sei que gosto de estar aqui. Não sei pra onde a vida irá me levar e estou tentando tomar as rédeas dela nas minhas mãos. Não posso dizer que sou do tipo que vai com o vento, pois sou do tipo que vai com o coração. Não, nunca me arrependi de ir com ele. Mas depois de um ano e dois meses, algo que começou como uma aventura se tornou um retiro espiritual. Gostaria que esse "retiro" se retirasse, pois a saudade de um convívio social bate à porta. Sinto falta de conversas ao vivo, regadas a um café quentinho, risadas e a companhia de pessoas queridas. Sinto falta de abraços apertados e sinceros, como só amigos sabem dar. Sinto falta de olhares de cumplicidade, de piadas internas, de letras de musicais cantadas a altos brados e acompanhadas de gargalhadas. Sinto falta.
     Me sinto fechada. Sei que o passado passou e que as coisas são como são. Lugar novo, vida nova. Aguardo, anseio e vou seguindo a vida da melhor forma possível. Agora... como se faz pra abrir o coração de volta pro mundo?

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Montreal ou Como sobreviver sem desodorante roll-on

     Depois de morar um ano em Berlim e mudar, novamente, para um lugar desconhecido, com outra cultura e outra língua, a comparação tornou-se inevitável. Sei que cada cidade tem sua própria história, seu próprio contexto mas, ainda assim, me senti compelida e expressar tais comparações.
     Embora Montreal possua latitude mais ao sul (45°30'N) do que Berlim (52°31'N), a média de temperatura é mais baixa. Talvez isso se deva por Montreal ser uma ilha no meio do rio São Lourenço. Além do mais, Berlim tem umidade relativamente baixa e Montreal, ao contrário, é úmida, fazendo com que a sensação térmica seja, durante o verão, maior, e durante o inverno, menor do que a temperatura oficial. Mas questões climáticas e geográficas não são tão importantes nesse momento. O que me interessa mesmo é falar um pouco sobre minha experiência até agora.

     Montreal é uma cidade muito interessante, com bairros que diferem completamente um do outro ao ponto de se pensar que poderiam ser cidades diferentes. Onde moro, por exemplo, o bairro é residencial, cheio de casinhas e prédios como o meu: com dois andares e subterrâneo, onde cada andar é um apartamento (ou dois no segundo andar).

Foto: http://www.utexas.edu
Já o bairro mais conhecido da cidade, o Plateau Mont-Royal, é caracterizado pelos prédios baixos com acesso ao segundo andar pelo lado de fora. Essa talvez seja a imagem mais famosa de Montreal: as antigas casas de operários com suas escadinhas saindo diretamente na calçada. Agora, o centro da cidade é uma profusão de prédios modernos se mesclando aos prédios antigos e, bem ali, fica o campus da McGill University (ou como dizem os francófanos: Mêguil).
Centro de Montreal visto do Campus da McGill
     Uma das coisas que me impressionou logo que cheguei mas, infelizmente, no mau sentido, foi o barulho da cidade. Sim, morei 9 anos no Rio de Janeiro que é uma cidade bastante barulhenta, mas o ano passado em Berlim me fez esquecer o que isso significava, já que lá, a cidade é tão silenciosa que nem parece cidade grande. Na chegada em Montreal o barulho foi, decididamente, uma surpresa inesperada. Não apenas o barulho dos carros pela rua, mas tudo é bastante barulhento. As descargas e secadores de mãos dos banheiros públicos, os ônibus, as ruas, e o metrô. Ah, o metrô é ensurdecedor! Aliás, o dito cujo é uma experiência única por si só: além do barulho ensurdecedor, ele possui pneus nos carros (nunca tinha visto isso antes), faz curvas, sobe e desce (ok, sei que todos devem fazer, a diferença é que aqui se sente tudo isso dentro do vagão), e freia. Ô se freia!!! Às vezes as freadas são tão fortes que chegam a assustar. E,
Foto: http://en.wikipedia.org/wiki/Montreal_Metro
diferente de Berlim, as estações não possuem elevadores. Se por lá já era necessário colocar as pernas pra funcionar, aqui então, é pernas pra que te quero! Apenas quatro estações possuem elevadores, todos nas últimas estações da linha laranja.
     Outra coisa que me surpreendeu foi o preço das coisas. Depois de morar em uma cidade relativamente barata, Montreal foi um susto. Não sei se eu esperava um padrão de preços no esquema Estados Unidos, ou seja, também barato, mas com certeza não esperava os valores que encontrei. E, lembrando, o preço mostrado no produto não é o total final, pois 15% de imposto incidem na hora do pagamento no caixa. Ah! E pra quem ama queijos, como eu, a diversidade dos queijos na Alemanha é de encher os olhos e manter o bolso quase intacto. Aqui, as opções são mais restritas, e os preços bem altos. Adeus camembert de forno! 
     Como uma cidade do "Novo Mundo", o apelo automobilístico é grande, e ciclovias são raras. No centro elas estão por toda parte, mas fora dali a coisa muda de figura. Não se vê tanto ciclista e raras pessoas usam suas bicicletas como meio de transporte diário como em Berlim. Isso era uma das coisas que eu mais gostava em terras germânicas: poder ir a todo lugar de bicicleta e me sentir segura sabendo que não iriam passar por cima de mim com um carro. Mas claro, lá a cultura ciclística é bem mais forte do que por essas bandas. Existem iniciativas de bicicletas de aluguel, como as do Itaú no Rio, na saída das estações de metrô mas falta a infraestrutura para tornar a bicicleta um real instrumento de transporte e não apenas de lazer.
     Outra diferença gritante é o domingo. Isso mesmo: domingo! Enquanto em Berlim tudo fecha e não se tem nem supermercado aberto, por aqui tudo abre. Os montrealenses passeiam pelos parques, vão ao cinema, ao jardim botânico, mas também aproveitam o dia para compras. Nesse sentido é bastante parecido com as grandes cidades do Brasil.
     Diferente do que acontece no norte da Europa, não se vê tanta gente atirada pelos gramados da cidade em dias de sol. Claro, sempre tem alguém lagarteando, mas no geral, não tantos como nos parques europeus. O local onde mais vi isso acontecer foi no campus da faculdade, onde as pessoas aproveitavam o intervalo entre as aulas pra se aquecerem um pouco ao sol enquanto o clima ainda permite.
Foto: eng.wikipedia.org
     
Uma das grandes sacadas de Montreal é a "cidade subterrânea": uma rede de passagens por debaixo dos prédios do centro interligando shoppings, galerias, teatros, prédios residenciais e escritórios, etc. Pra se ter uma idéia, a cidade subterrânea possui 32km, acesso à 7 estações de metrô, 2 estações de trem, uma rodoviária, e possui mais de 120 acessos pelo lado exterior. Para uma cidade onde os invernos
Ligação da Place-des-Arts com o metrô
Foto: en.wikipedia.org
podem chegar à quase -40ºC, nada melhor do que poder ir do metrô diretamente para seu destino sem precisar colocar o nariz pra fora, não?
     No mais, Montreal é legal. As pessoas são simpáticas e prestativas, os serviços podem não apresentar a eficiência germânica, mas funcionam e atendem bem a população. A cidade é bem cuidada e arborizadas com vários parques para passear. O fato de abrigar quatro universidades de renome e vários "colleges" a torna uma cidade vibrante e com atrações para todos. Cafés se espalham em cada esquina e alguns funcionam 24 horas. Pra quem gosta desse tipo de programa, como eu, a cidade é excelente!
     Sim, eu sei que não deveria ter comparado Montreal e Berlim, pois é como comparar alhos com bugalhos, mas é inevitável. Depois que estamos acostumados a viver de uma certa forma, é impossível não fazer comparações. Tento restringir as comparações ao que mais me surpreende, e, aos poucos, vou me adaptando à nova vida e deixando elas de lado.
     E o desodorante roll-on? Só duas marcas oferecem 1 perfume nesse formato. Pois é... complicado.



quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Tschüß, Berlin!

     Há exatos 368 dias cheguei em Berlim e hoje termino meus dias nessa cidade que me acolheu por um ano.
     Não. Não sentirei saudade dos dias tristes, da dificuldade de fazer amigos, do peso emocional que me podou de diversas formas e em vários níveis. Também não sentirei falta da "bipolaridade" que afeta a população quando mudam as estações. Ou da obrigação que querem te impor de ir para a rua simplesmente porque faz sol.
Não. Não sentirei saudade das várias lágrimas derramadas e da dor que por meses afligiu meu coração e atormentou meus pensamentos. Também não sentirei falta da escuridão que tomou conta de mim e do peso que carreguei nos ombros por tanto tempo.  

     Choro. Choro por aquilo que gostaria que tivesse sido, que tivesse vivido, mas que não pôde ser.
     Entendo os ciclos do universo e acredito que, assim como na natureza, também na vida, após o inverno vem a primavera. E meu solo interior está fértil para a chegada dela. Foi um longo e tenebroso inverno.
    Berlim foi um lugar onde aprendi muito, principalmente sobre mim mesma. Muita coisa estranha aconteceu por aqui, em todos os sentidos. Mas também, coisas extremamente boas. Então... sim, sentirei saudades.


   Sentirei saudades do silêncio da cidade, das folhas coloridas cobrindo as calçadas durante o outono, dos caminhos escorregadios cheios de "sorvete de flocos" no inverno. Sim, sentirei saudade da primavera. A primavera mais exuberante, colorida e perfumada que já conheci.
Sentirei saudade das tulipas que brotam nos lugares mais inesperados, dos dentes-de-leão que cobrem cada pedacinho verde de grama e a transformam em um tapete amarelo; das milhares de flores do campo das mais variadas cores e dos mais incríveis perfumes. Sentirei saudade das nuvens de sementes sendo levadas pelo vento e que passam pela gente deixando as roupas grudadas de sementes menos afortunadas que encontraram, ao invés de terra, algodão e lã para se fixarem. Das sacadinhas floridas. Do vento fresco ao cortar caminho de bicicleta pelos vários parques da cidade e dos inúmeros tons de verde das árvores, heras e arbustos que neles se encontram.


     Sentirei saudade dos morangos doces, macios e perfumados que derretem na boca como pedacinhos do paraíso. Das framboesas e sua medida exata entre o doce e o azedinho. Das cerejas gigantes, escuras e deliciosas. Dos "pêssegos achatados" e cheirosos.
     Mas o que Berlim me trouxe de mais importante e especial, foi a oportunidade de passar dias incríveis ao lado de pessoas mais que importantes. 
Berlim proporcionou um reencontro histórico com duas pessoas que têm lugar cativo no meu coração.


Foi por estar aqui que minha mãe superou coisas extremamente difíceis para ela e veio até a antiga "cidade dividida" resgatar sua metade alemã.



Foi aqui que encontramos um de nossos irmãos de alma. 



Recebi muito mais visitas do meu pai do que esperava. 





Aqui recebi uma amiga muito querida que me deu o prazer de vê-la algumas vezes. 


Tive o privilégio de apresentar a cidade para a sobrinha-afilhada mais incrível que alguém poderia pedir aos céus.

    

 Assim, termino mais um ciclo da vida e que dele fiquem apenas os bons momentos. Graças à natureza e à incrível sorte que tenho em ter pessoas tão maravilhosas em minha vida, levarei essas lembranças comigo e, quando pensar no tempo que por aqui passei, são elas que virão à memória. Pois, estas fotografias do coração, são as que realmente valem a pena. E é hora de um novo capítulo.

sábado, 3 de agosto de 2013

Um dia no Mar Báltico

     Ontem fui, pela primeira vez, em uma praia alemã. Já estive em outras praias na Europa, mas apenas visitando rapidinho já que sempre venho para cá no inverno; mas nunca havia realmente visto como funcionam as coisas durante o verão e, confesso, achei engraçado.
     Logo na chegada já achei algumas coisas curiosas. Sim, sei que não estou em um país tropical e que as praias são diferentes. Mas, como diria Jack Estripador, vamos por partes. Primeiro, a praia em si. Logo ao chegar percebi que o mar não possui ondas. Quem entende de oceanos e seus níveis sabe o que significa um mar nível 1: sem ondas, parecido com um lago. A areia é branca e fina, mas com várias pedrinhas no meio. Ao invés de conchas na beira da água, apenas seixos e muita, mas muita, alga-marinha. Para se chegar à parte mais funda, cruza-se um verdadeiro tapete fechado de algas-marinhas em todas as suas formas e cores. É tão raso que se caminha muito até conseguir estar submerso até o pescoço. A água transparente e fria mas, por incrível que pareça, menos fria que a água de Ipanema e um tráfego intenso de barcos comerciais e turísticos cruzam o horizonte. Existe até uma rota turística específica que conecta sete países com construções góticas em tijolinhos através do Báltico: Suécia, Dinamarca, Alemanha, Polônia, Lituânia, Latvia e Estônia.
     Na Alemanha as pessoas lidam de uma forma diferente com o corpo. Na minha opinião, uma forma muito mais saudável. Um corpo é um corpo e só, mostrá-lo não significa nada, e eles lidam muito bem com o nu. Por aqui, especialmente no antigo lado oriental, é muito comum que as praias tenham o aviso "FKK" na entrada. "FKK" significa "Freikörperkultur", na tradução literal: cultura do corpo livre, ou, como se diz no Brasil, nudismo. Mas diferente do que acontece no hemisfério sul, aqui as praias "FKK" não são isoladas, são praias onde todos vão independente de praticarem ou não o nudismo. Embora eu acredite que seja muito saudável lidar com o corpo dessa forma, pessoalmente não consigo ficar nua em público e, confesso, é estranho mergulhar e, ao sair da água, dar de cara com uma pessoa pelada na sua frente. Mas a naturalidade com que os alemães lidam com isso faz com que fiquemos confortáveis com a situação. Diferente do que ocorre no litoral brasileiro, por aqui as praias não são local de paquera. Talvez por isso, essa relação com o corpo seja ainda mais livre e feliz. Crianças, jovens e velhos, com ou sem roupa de banho, se espalham pela areia da praia. 
     O sol, impiedoso no alto dos seus 40ºC não dava trégua e a areia se encheu de guarda-sóis, tecidos que formam cercas ao redor do "seu" pedaço de areia, barracas (isso mesmo, barracas de camping) e Strandkörben (literalmente "cestas de praia"). Por aqui as opções para se proteger do sol são mais numerosas. Não, não pensem que isso acontece porque eles têm a pele bastante branca pois não usam filtro solar. Aliás, vi apenas um casal passando filtro solar neles e nas crianças, no geral, o pessoal se joga na toalha e torra sem proteção alguma. Eu, com minha fotofobia e hipersensibilidade da pele ao sol, fiquei escondida dentro da minha "cesta de praia" observando o passar das horas e o tamanho da vermelhidão da pele das pessoas. Algumas já estavam tão vermelhas que eu só conseguia pensar: "ai, isso dói". Mas me impressionou foi a falta de cuidado com crianças pequenas. Várias pessoas sem proteção nem de um simples guarda-sol, com suas crianças de 1 ano já vermelhinhas depois de apenas alguns minutos sob os sol. 
As "cestas de praia" são invenções muito interessantes e práticas. A princípio, apenas olhando, achei que fossem desconfortáveis por sua aparência dura mas a verdade é outra. Feitas de vime, essas cadeiras fornecem uma sombra verdadeira que protege de verdade. Elas possuem almofadas para sentar e se encostar, apoiadores para pés e pode-se movimentar sua cobertura para deixá-las mais abertas ou fechadas. Caso esteja ventando muito (e o vento por aqui é fresquinho), elas protegem sem abafar. Pode-se também, ajustar o banco interno para que fique mais deitado ou mais em pé. E, para se bronzear nelas, basta virá-las na direção do sol. Realmente muito interessante.
     Outra coisa bastante curiosa pra quem está acostumada à água de coco, Mate Leão, Biscoito Globo, empadas e toda uma série de produtos alimentícios (e não alimentícios) sendo vendidos na praia não é o fato de não existirem vendedores ambulantes na areia porque sabemos que essa é uma característica das praias brasileiras e, principalmente, cariocas; mas o fato de estarmos na Alemanha e não ver quase ninguém bebendo cerveja. Eu imaginava que o pessoal aproveitava a praia para beber cerveja, se bem que por aqui, eles não precisam de desculpa pra isso. Mas durante o dia inteiro, vi apenas um cara bebendo cerveja. Em sua maioria, vi crianças comendo picolé (até aí, tudo bem) e pessoas bebendo café. É isso mesmo: café na praia! Nos trailers onde se alugam os guarda-sóis, cerquinhas, barracas e "cestas de praia", existe máquina de café. Que tal um cappuccino sob o sol? Ou então, um Late Macchiato acompanhado de Currywurst (salsicha com molho curry)?
     Se alguém disser que alemães não vão à praia porque não possuem boas praias, posso dizer que não é verdade. As praias alemãs são belas. Só precisamos aprender a admirar a beleza de uma geografia diferente da nossa, mas nem por isso menos ou mais bonita. Elas são lindas e os alemães as aproveitam muito. Do jeito deles, da maneira como lidam com tudo que envolve uma ida à praia, eles sabem aproveitá-las muito bem. Foi uma experiência muito interessante, divertida, educativa e, acima de tudo, tranquila.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Contra uma ditadura mascarada de democracia

     Esses últimos acontecimentos no Brasil me deixam feliz. Não, não falo da minoria babaca que quebrou e tudo. Falo daqueles milhares de pessoas que saíram às ruas pacificamente pra protestar contra os rumos que o país está levando. Rumos esses que me preocupam muito. Parece coisa boba, pois muitas pessoas não fazem a ligação entre as atitudes e propostas do governo e só as enxergam isoladamente. Vejamos algumas isoladamente:
      - Diminuir o poder da imprensa e proibir jornalistas de se pronunciarem,
     - Revogar o direito de uma mulher violentada de fazer seu aborto de modo legal e ainda dar direito de paternidade ao estuprador,
     - Retirar o poder de investigação do Ministério Público (PEC 37),
     - Permitir que o Congresso tenha controle sobre as ações do Supremo Tribunal Federal (PEC 33),
     - Revogar leis que protegem a liberdade pessoal (vide a "cura-gay")
    - Querer criminalizar manifestações durante a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de 2014 como atos terroristas,
      - Falta de oposição política real ao governo,
     - Minimizar as manifestações ao aumento das passagens do transporte público com o intuito de subestimar a insatisfação do brasileiro,
     - Deboche dos políticos ao comentarem as manifestações e a insatisfação do povo sabendo que estão protegidos atrás do escudo da corrupção e do poder (ex. Vereador Pastor Henrique Braga - BH, Presidente Dilma Roussef ao dizer que "as vozes da rua devem ser ouvidas" mas não fazendo nada além de se pronunciar)
     - etc... etc... etc...

     Analisados isoladamente todos esses motivos já são suficiente para deixar qualquer um irritado. Mas se analisarmos todas juntas é possível ver que o caminho que se está traçando no Brasil é o de uma ditadura velada.
     Se o governo pretende tirar o poder no Ministério Público, pretende ter ações sobre o Supremo Tribunal Federal, impõe censura ao direito de opinião, não possui oposição, reage às manifestações (pacíficas, diga-se de passagem) do próprio povo com violência policial, restringe os direitos dos cidadãos, isso nada mais são que atitudes de governos autoritários e ditatoriais. Começa assim, aos poucos, não é necessário um golpe como aquele de 1964; basta dar Bolsa Família e bolsa tudo à população mais carente pra mantê-los satisfeitos "sem ter do que reclamar". Ganha-se assim, uma fatia grande da população. Quanto à classe média, banaliza-se a sua importância para a economia do país. Ignora-se as manifestações nas ruas, os abaixo-assinados, toda e qualquer forma que mostre a insatisfação com o que acontece (vide o abaixo-assinado contra Renan Calheiros). 
    Que democracia é essa que não ouve o povo? Que não o respeita e ainda debocha de suas reivindicações?
     Continuemos na rua, Brasil. Uma hora eles lá em cima se dão conta que não sobrevivem se "os debaixo" não se calam e as coisas começam a mudar. Não vamos deixar uma ditadura se instaurar no poder novamente. Não vamos deixar uma ditadura mascarada de democracia tomar conta de um país que pode crescer e florescer.
Que os movimentos desse ano alcancem conquistas como os dois anterirores.
     

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Primavera em Berlim

     Dizer que a primavera é uma estação linda além de clichê é óbvio, mas o que não imaginava é que a primavera podia ser tão perfumada e tão colorida quanto aqui na Alemanha. Berlim finalmente está linda!
     Claro que temos flores, perfumes e primavera no Brasil. Sem dúvida que temos. E são lindas! Mas nunca imaginei algo como o que vejo pelas ruas aqui. Mal o inverno vai embora, a grama logo brota verdinha. Um verde claro quase fluorescente. Em seguida começam a surgir os botões de flores. Isso mesmo, botões de flores na grama! A grama por aqui é super florida. Nela nascem os conhecidos dentes-de-leão (que, ao contrário do que acontece no Brasil, aqui não são considerados "ervas daninhas"), e outras amarelas, rosas, brancas, roxas. A grama por si só já é um espetáculo de tão linda e colorida. Depois vêm os arbustos. Inteiramente cobertos de flores e, na sua maioria, sem folhas, eles desabrocham em tons de amarelo, lilás, branco, vermelho, e por aí vai. Em seguida, as árvores que demoraram um pouco mais pra terem suas folhas de volta, mostram não apenas tons de verde dos mais variados, mas também, flores de diversos tamanhos e cores.
     Soma-se à tudo isso, as flores que um dia foram plantadas nos canteiros mas que, por serem bulbos, não precisam ser replantadas. E, "de repente", os jardins da cidade aparecem em cada esquina, cobertos por amores-perfeitos, margaridas, magnólias, várias florzinhas lindas que não sei o nome e, claro, as famosas e belas tulipas. Essas nascem em todo lugar. Nos canteiros das avenidas, embaixo de arbustos, no quintal do vizinho, na janela da senhorinha que vive tomando chá na varanda.  Tulipas rosas, amarelas, vermelhas, vermelhas e amarelas, roxas e brancas, cor de laranja, vinho, e suas combinações inusitadas. Tulipas de pétalas arredondadas, pontudas, dentilhadas, esfiapadas, de tipos que eu nem imaginava existirem.
     Com as flores vêm as sementes. Elas se espalham pelo ar em nuvens. Nuvens que, não fosse a temperatura, olhando-se de longe era possível jurar que estava nevando. E as sementes são encontradas em todo canto. Ontem, por exemplo, a Sophia dormia em cima do tapete da sala e, em cima dela, uma semente de dente de leão que entrou desavisada pela janela sem saber que ali não teria solo fértil pra crescer e, mais uma vez, embelezar o mundo. 
     Sim, temos primavera no Brasil, mas, infelizmente, não temos essa profusão de flores que desabrocham todas juntas tornando as cidades um grande jardim por algumas semanas. Mas, talvez, essa tenha sido a solução da natureza para tornar o inverno dos países frios mais tolerável.

sábado, 4 de maio de 2013

"Love is all you need"

     Existe uma teoria que ronda nossos pensamentos e corações, há anos (ou deveria dizer séculos?) alimentada por histórias de ficção, de que tudo que se necessita é amor. Tenho minhas dúvidas. Não, não estou falando de necessidades materiais nem básicas, apenas do amor mesmo.
     Se estes meses aqui em terras germânicas têm me ensinado alguma coisa, além de ficar em silêncio, é que amor por si só não basta.
     Tive o prazer de receber na minha casa esses últimos dias, duas amigas muito queridas. Cada qual está num momento diferente da vida no que diz respeito à relacionamentos. Uma namora, a outra casou ano passado. Convivendo com elas fui percebendo como o que elas têm com seus respectivos parceiros é muito mais que amor. Uma teve suporte e ajuda do marido mesmo antes de serem namorados, a outra tem uma relação de cumplicidade com o companheiro.
     Anos atrás os Beatles já diziam "all you need is love", e antes deles muitos outros o fizeram. Embora concorde com muito da utopia de "Imagine", de John Lennon, não concordo com "All You Need is Love". Sou uma das pessoas mais românticas que conheço. Adoro bilhetes surpresas, flores, presentes sem data, café da manhã surpresa e todo tipo de coisa que se possa imaginar. Gosto de receber essas coisas, mas principalmente, de fazer isso pra outra pessoa quando estou apaixonada. Mas não, não concordo que tudo que se precisa é amor.
     Amor sem apoio, sem elogio, sem carinho, sem cumplicidade, sem amizade, sem compreensão, sem entendimento, sem ouvidos para o outro, simplesmente não se sustenta. Para que o amor possa realmente prevalecer, ele precisa estar acompanhado de tudo isso ou não tem como durar. Ele pode até existir, mas não consegue crescer e engrandecer como deve.
     Tem coisa melhor que alguém que briga por você? Não no sentido de brigar para te conquistar, mas de comprar as suas lutas e te ajudar a seguir em frente. De te dar o braço e te ajudar a caminhar quando não se está conseguindo fazer isso sozinha.
     Então, por favor, cantem a música sim, mas façam mais que isso, ao amarem alguém, amem de peito aberto, dando além do amor, todos esses "pequenos" detalhes que fazem dele esse sentimento tão magnânimo. Amem sem medo de perder, sem medo de sofrer, sem medo de ser honesto, sem medo de ser quem você é, sem orgulho. Ame com carinho, com amizade, com apoio, com elogios, com compreensão. Ame de braços abertos para o choro e para o sorriso. Ame de ouvidos atentos para escutar o outro. Ame mostrando que você está ali para a pessoa amada. Amem, mas lembrem sempre que, amor sozinho não basta.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Aprendendo a ficar em silêncio

     Faltam poucos dias pra completar oito meses em Berlim. Nesse tempo, muita coisa aconteceu. Muita coisa estranha, na verdade. Vim para cá com o coração aberto para as novas experiências, para uma nova vivência, mas, infelizmente, as coisas não sairam como se pensava. Aliás, quem está "próximo" (via Skype) bem sabe como tem sido complicado.
     Durante esses meses fui ficando introspectiva. Introspectiva não apenas por estar longe dos amigos e, assim, difícil de conversar com eles sobre o que acontece comigo; mas também porque os acontecimentos me fizeram olhar pra dentro de mim. Acho que nunca antes tive tanto tempo pra prestar atenção em tudo que passa aqui dentro. Um amigo está fazendo um exercício pra conhecer melhor o que se passa dentro dele e penso em fazer também. Consiste em escrever três páginas direto, ao acordar, de tudo que passa pela cabeça, sem censura, sem pensar, só escrever o que vier. Se for uma frase, uma palavra, um nome, um som, deve ser colocado no papel. Mas apenas escrever, não ler que é pra não se reprimir. Depois de um mês, você volta e lê tudo o que escreveu. Talvez seja uma boa aproveitar esse momento pra fazer isso. Que bichos será que aparecerão?
     Sinto como se estivesse em um período de meditação forçada. Uma auto-terapia intensiva onde todos os dias os grilos que rondam lá no fundo vêm à tona e sou obrigada a lidar com eles. Confesso que tem sido difícil, muito difícil devido ao turbilhão interno momentâneo, mas tenho enxergado algumas coisas com mais clareza.
     Em um dos dias mais difíceis, resolvi tirar uma carta do tarô para ver qual era o motivo de eu passar um ano aqui. Saiu a carta da "paciência". No Osho Zen Tarot, a carta "paciência" é representada por uma mulher grávida sentada, completamente em paz, sob as fases da lua. Ela não tem o que fazer além de ter paciência, pois as coisas estão mudando dentro dela e, uma hora, essas mudanças virão para fora. Achei perfeito com o momento. Tirando a diferença de não estar me sentindo completamente em paz, parece que a "paciência" caiu como uma luva para o momento.
     Fico pensando que no final de cada experiência sempre há uma lição. Exatamente qual é, ainda não sei. Mas tenho aprendido bastante sobre algumas coisas, principalmente a ficar em silêncio. Acho que nesses 8 meses fiquei mais tempo em silêncio do que em toda a minha vida. Presto atenção nos detalhes da minha trajetória, os caminhos tomados, as decisões, os orgulhos e os remorsos. Muito tempo dedicado ao passado. Às vezes é bom revisitá-lo. Quem sabe até faça uma imitação do broche "In Silence" que minha mãe trouxe das meditações dela no Ashram do Osho (lá na Índia). Berlim é, também, uma cidade silenciosa. Coisa essa que eu gosto muito. Com meu silêncio (e o da cidade), escuto o som dos passarinhos festejando a chegada da primavera, o som da respiração dos meus filhotes quando estão dormindo, o som da chuva na janela e, claro, o barulhinho da geladeira. Mas ouço, principalmente, meu coração. O que ele sente, o que quer, do que/de quem sente saudade.
     Meu serzinho interno está cheio de sentimentos e pensamentos em relação à vida, às mudanças, aos sonhos, às desilusões. Todos os dias penso muito em tudo que me levou a chegar aqui. Não apenas os motivos da mudança de país, mas toda minha trajetória de vida que faz de mim quem sou hoje. Caminhos muito interessantes e caminhos tortuosos. Muitos sorrisos e muitas experiências boas. Muita gente boa cruzou meu caminho nessa vida e, mesmo que não tenham permanecido no dia-a-dia, ficaram no coração. Se o silêncio serve pra pensar nelas, então, já vale muito a pena.

terça-feira, 12 de março de 2013

O Oscar Papal

     Hoje, quando os cardeais se reúnem para escolher um novo Papa, não consigo deixar de pensar como tudo parece os preparativos para o Oscar. 
     Os jornais não páram de noticiar quantos cardeais pertecem ao conclave, como está organizada a Capela Sistina para a reunião, como será a cerimônia, quem são os "indicados" e os possíveis vencedores da cadeira mais importante da Igreja Católica. Até a indumentária papal já foi motivo de notícia na televisão. Agora questiona-se o "mistério" da fumaça preta e da fumaça branca. 
     Tal como no Oscar, existem aqueles que ingenuamente acreditam que a cadeira (ou a estatueta?) será dada a um africano ou latino americano, quando todos sabem que o "prêmio" sempre irá para alguém de dentro da casa (nesse caso, a casa é a Europa). Tal como na entrega de prêmios da academia, alguns candidatos deveriam dar-se por satisfeitos de serem considerados para concorrer com aqueles que, com certeza, levarão o título.
     Parece que o mundo se esquece de todos os escândalos atuais envolvendo essa instituição que já foi, e continua sendo, o personagem principal de grandes escândalos durante toda sua história. Tudo parece uma grande festa. Aposto que tem até brasileiro achando que vai sair fumacinha verde e amarela da chaminé no Vaticano.
     É possível entender o que significa um Papa para aqueles que se encontram dentro da Igreja, para aqueles que vivem em seminários e conventos; mas para as pessoas que não estão envolvidas na vida religiosa, qual a verdadeira importância do Papa em suas vidas? Como e por que isso afeta sua crença? Não sigo nenhuma religião, mas acredito que ser católico, muçulmano, judeu, etc, significa escolher as ferramentas que melhor se adequam consigo para se atingir Deus. As ferramentas estão disponíveis há séculos, com ou sem Papa. A maneira como uma pessoa se relaciona com o Ser Supremo é individual. Pode-se se seguir determinadas regras, determinados caminhos, mas o que uma pessoa entronada em Roma pode mudar na vida de quem crê? Que real diferença isso faz para os milhões de católicos ao redor do mundo? Foi-se a época que a autoridade papal intervia em governos, guerras e vidas privadas de forma incisiva e definitiva. Hoje, sua influência ainda existe, mas diminuida. A Igreja parou no tempo, não se atualiza, não quer lidar com a realidade da vida no século XXI e as questões que este traz. Para que serve um Papa hoje?
     Enquanto a cerimônia não acaba, tal como no Oscar, milhares de pessoas ficam na expectativa. Nesse caso, que estatueta será utilizada? Melhor roteiro de ficção ou melhor ator coadjuvante? Porque, definitivamente, melhor diretor não será.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O Papa não é pop

     Assistindo ao canal americano CNN, hoje à tarde, fiquei sabendo que o Papa Bento XVI renunciou ao cargo. De acordo com a televisão, ele deverá deixar o papado no dia 28 de fevereiro. Essa notícia pegou não apenas o mundo, como o próprio Vaticano de surpresa, de acordo com o porta-voz do chefe da Igreja Católica.
     Um Papa abdicar de seu posto não é novidade na história da Igreja, mas a última vez que isso aconteceu foi em 1415. Entre o fim do século XIV e início do século XV a Igreja Católica enfrentava o que ficou conhecido como Cisma do Ocidente (ou Grande Cisma - 1378 - 1417). Entre 1303 e 1377 a sede do papado não era em Roma, mas em Avignon, na França. O Papa Gregório XI deixou Avignon e reestabeleceu a sede em Roma. Quando da sua morte, Urbano VI tomou posse mas não agradou ao Conselho dos Cardeais e se recusou a restaurar a sede em Avignon. Os cardeais italianos então fizeram uma campanha contra sua escolha e, em conclave, elegeram Clemente VII. Este ficou conhecido como o Antipapa, e se instalou em Avignon. E, assim, começou o cisma.
     A "confusão" dentro da Igreja continuaria por mais 39 anos e chegaria ao ponto da co-existência de três Papas. Ao ser eleito, em 1406, Gregório XII (sucessor de Inocêncio VII, cuja sede ficava em Roma) estava disposto a acabar com o problema do cisma e chegou a dizer que abdicaria do papado caso isso significasse paz definitiva dentro da Igreja. Mas ele precisou enfrentar muitas dificuldades para que essa paz fosse alcançada. Durante o Concílio de Constança (em 1414) Gregório XII foi considerado de fato o único Papa, os outros dois Antipapas, João XXIII e Bento XIII, foram depostos. Foi durante o Concílio que Gregório XII entregou, através de seu amigo Carlo Malatesta, sua abdicação à assembléia que a acatou. O Concílio então elegeu, em 1417, Martinho V, reestabelecendo assim a unidade da Igreja e acabando com o cisma.
     Desde sua eleição, em 2005, Bento XVI não teve a mesma receptividade entre católicos, ou não, como seu antecessor João Paulo II. E, segundo alguns, ele seria o último Papa de acordo com as previsões de Nostradamus. Sabe-se que essas previsões têm inúmeras interpretações e os amantes da "teoria da conspiração" estão sempre prontos a aceitá-las sejam quais forem. Mas não deixo de pensar que é, no mínimo, curioso o Papa anunciar sua renúncia em plena segunda de Carnaval. Talvez os deuses pagãos estejam sorrindo em algum lugar.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Pés no chão?

     Outro dia tive um sonho interessante. Uma bactéria (ou vírus, sei lá) estava atacando as pessoas e elas iam perdendo pedaços inteiros do corpo e continuavam vivas até que o corpo se despedaçasse totalemente. E todos tínhamos que tentar não encostar no chão. Não adiantava subir em árvores, ou nada que tivesse contato com o chão, então, o jeito era achar uma maneira de ficar flutuando por aí. No meu sonho, era uma bicicleta (olha que não assisto E.T. há anos!) que precisávamos pedalar loucamente pra que ela não saísse do ar. Na bicicleta estávamos meu pai, eu e um monte de pessoas desconhecidas. Lembro de pensar que minha mãe estava a salvo em algum lugar. Olhando lá de cima para a terra, via-se pedaços de pessoas espalhados por todo canto. Nojento!
     Contei esse sonho pra minha mãe. A interpretação dele por ela foi muito interessante. Como é bom ter uma astróloga genial na família! Ela me deu duas interpretações que fizeram bastante sentido. A primeira, a interpretação do sonho como uma visão coletiva da humanidade, achei que bem cabia ao momento atual do mundo com tantas mudanças acontecendo (concretas e de mentalidades). Parece mesmo que estamos perdendo pedaços nossos pelo caminho, mas, a meu ver, essas perdas são necessárias para o surgimento de novas formas de lidar com o próximo e com o planeta. Mas a segunda interpretação, a individual, foi a que mais ficou rodando na minha cabeça. Ela me disse que talvez eu não queira colocar os pés no chão porque senão terei que perder partes minhas, e meu pai me ajuda a ficar flutuando sem pousar.
     Fiquei pensando bastante sobre essa segunda interpretação e nunca imaginei que alguém, um dia, me diria que eu não coloco nunca os pés no chão. Se um leão-áries-câncer não coloca os pés no chão, o que dizer de alguém ar-ar-ar??? Eu sei que não sou a pessoa mais "aterrada" do mundo, mas também não sou a mais voadora. Mas o mais importante: o que significa colocar os pés no chão? Significaria ficar na mesma cidade por toda a vida, trabalhando em qualquer coisa que não dê o mínimo prazer só para pagar contas? Ou não tentar realizar nenhum dos nossos sonhos porque sonhos são hetéreos e não concretos? Mas não devemos tentar realizá-los? Ou seria não aceitar desafios, não correr riscos, viver em linha reta?
     Crescemos ouvindo que devemos sonhar e ir atrás dos nossos sonhos, bem como ouvir nosso coração. E foi isso que fiz minha vida inteira: ir atrás dos meus sonhos, tentar realizá-los, e ouvir meu coração. Sempre acreditei que todos deveriam fazer isso, e continua acreditando que, se a humanidade realmente seguisse seu coração, o mundo seria um lugar bem mais agradável.
     Continuo pensando no assunto e não consigo chegar à uma conclusão. Então, o que realmente significa "colocar os pés no chão"?

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Um pouco de História

     O que é Berlim senão a história contemporânea viva e latente? Que outra cidade do mundo possui uma história recente tão complexa e, mais ainda, tão famosa? Um dia desses fui dar uma passeadinha por aí e ver algumas coisas que turistas, normalmente, passam direto.

     Nesse local funcionou o que ficou conhecido como "Aktion T4", ou "Ação T4" em português. De 1939 a 1941 os nazistas levaram adiante o projeto que ficou conhecido por esse nome. A maioria das vítimas - homens, mulheres e crianças - eram pessoas com deficiência mental ou física que, sob a perspecitiva de uma raça pura e de uma nação saudável (ideologias do Nacional Socialismo) eram consideradas inaptas para viver. Após as "avaliações" dos pacientes, que incluíam a qual "raça" estes pertenciam, aqueles julgados incapazes de trabalhar eram enviados para um dos seis centros da Aktion T4: Bernburg, Brandenburg, Grafeneck, Hadamar, Hartheim e Pirna-Sonnenstein onde eram assassinados. A Ação T4 foi a única iniciativa nazista que conheceu o protesto públicos em larga escala e por isso foi abandonada, mas então, mais de 70 mil pessoas já haviam sido mortas, entre elas "desajustados sociais", delinquentes e homossexuais. Mais tarde descobriu-se que, embora oficialmente extinta, a Ação T4 foi levada adiante em outros locais, como campos de extermínio. Mais de 200 mil pessoas foram assassinadas pela Ação T4 e outros programas de "eutanásia" do Terceiro Reich. O nome "T4" refere-se ao endereço da casa que sediava a Ação: Tiergartenstrasse 4. Hoje a casa não existe mais e essa área é ocupada pelo Kultuforum e a Filarmônica de Berlim.



Monumento a Johann Georg Elser

  Johann Georg Elser nasceu em 1903, em Hermaringen, Alemanha, e passou parte de sua adolescência durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1938 a Alemanha parecia novamente caminhar em direção à guerra e Elser ficou apreensivo que isso pudesse acontecer. Embora Hitler, então, proclamasse a paz, Elser não acreditava nele e acreditava que era necessário remover os líderes nazistas do poder através do assassinato destes.
    Para descobrir como fazê-lo, Elser viajou para Munique, em 8 de novembro de 1938, para participar do discurso anual que Hitler fazia no dia do aniversário da sua frustrada tentativa de tomada de poder em 1923. Georg Elser percebeu que o evento não possuia uma segurança eficiente, o que facilitaria suas idéias. Nessa mesma noite ele presenciou, também, a explosão de violência contra os judeus que ficou conhecida como "Noite dos Cristais". Essa foi a gota d'água que faltava para que ele se convencesse de que uma liderança capaz de incitar tal violência levaria o país à guerra e que apenas a morte de Hitler evitaria isso. Elser escolheu, então, o mesmo evento no ano seguinte para realizar seu plano: assassinar Hitler explodindo uma bomba durante seu discurso na Bürgerbräukeller.
     Algumas semanas antes do discurso de aniversário Elser viajou para Munique. Por mais de um mês ele frequentou o local, ficou amigo dos garçons e conseguiu uma maneira de ali permanecer mesmo depois do horário de serviço. Durante esse período ele conseguiu fazer um buraco na pilastra atrás do pulpito e colocou a bomba ali.
     Devido ao início da guerra Hitler decidiu cancelar o discurso, mas depois voltou atrás contanto que estivesse de volta em Berlim na mesma noite. Ele costumava discursar das 20:30 às 22:00, mas naquele dia, devido à neblina, os aviões não podiam decolar e o "Führer" precisou retornar à Berlim de trem, fazendo com que precisasse encurtar seu discurso. Assim, Hitler deixou a Bürgerbräukeller 13 minutos antes da bomba de Elser explodir.
      Georg Elser tentou fugir para a Suíça e foi detido pela polícia de imigração. Embora os policiais não desconfiassem que ele estivesse envolvido no atentado, após encontrarem cartões postais da cervejaria em seu casaco ele foi associado à explosão e, então, enviado para Munique. Na capital da Baviera Elser foi interrogado pela Gestapo, mas permaneceu em silêncio e negou qualquer envolvimento na explosão. Garçons identificaram Elser como frequentador assíduo do local e, mais tarde, ele acabou confessando. Após sua confição, Elser foi transferido para o quartel-general da Gestapo, em Berlim, onde foi torturado. O líder da SS, Heinrich Himmler, não conseguia acreditar que um homem simples, com pouca instrução, fosse capaz de quase assassinar Hitler sem ter cúmplices. Elser foi enviado ao campo de Sachsenhausen (em Berlim) e depois para Dachau (próximo à Munique) onde foi morto em 1945. Anos mais tarde foi confirmado que Elser arquitetou tudo sozinho, sem ajuda de ninguém.

"Ich habe der Krieg verhindern wollen."
("Eu queria evitar a guerra.")