domingo, 24 de agosto de 2014

A difícil tarefa de escrever um currículo

     Como quase todos que me conhecem sabem, passei a maior parte da minha vida correndo atrás da profissão que me deixa mais feliz no mundo: atuar. Perdi as contas de quantos testes, críticas (nem sempre construtivas), portas na cara e murros em ponta de facas dei dos 14 aos 32 anos. 
     Quando a ficha do "pós 30" caiu, decidi que então iria dar uma satisfação à família e à sociedade e terminar, finalmente, um curso universitário. Era a pressão social junto com a pressão interna pra "criar vergonha na cara e me sustentar". O que quase ninguém sabe é que não foi apenas no teatro que dei muito murro em ponta de faca. Toda vez que me candidatava a um trabalho, qualquer que fosse, era rejeitada. Se não fosse logo na seleção dos currículos, era na primeira entrevista ou nas insuportáveis dinâmicas de grupo (pra que ainda fazem isso? Não prova absolutamente nada da competência pro trabalho.). O mais engraçado, e irritante, eram as desculpas furadas do porquê eu não tinha conseguido a vaga, pois em geral, só recebia esse tipo de comentário: "na dinâmica você provou ser líder sem ser ditatorial, isso é muito bom!", "você sabe se comunicar", "você é adaptável a diferentes tipos de ambiente de trabalho", etc. Aí quando eu perguntava "então, por que não consegui a vaga?", as respostas eram do tipo "você não tem uma formação superior", ou dependendo do trabalho "você é muito qualificada para a vaga" (depois do diploma a desculpa mudou para "você é pouco qualificada para o trabalho". Aham...), "você não tem experiência prévia na área" (espera aí, mas e os concorrentes de 18 anos que também estão tentando a vaga no estágio, por acaso têm qualquer experiência? Nem de vida ainda!), etc.
     Por essas e por outras meu currículo não possui nenhum emprego de tempo integral ou longa duração. Todos os trabalhos que fiz foram freelancer e/ou temporários. Finalmente, em 2008, alguém deu algum valor para o tal currículo "picado" e consegui um trabalho, de novo freelancer, mas que durou até minha mudança do Rio. De qualquer maneira não pagava nem as contas.
     Hoje, me encontro tentando conseguir emprego aqui em Montreal, sem sucesso até agora. Tudo bem, eu sei que aqui francês é obrigatório e ainda não possuo francês bom o suficiente para lidar com o público, mas existem muitas vagas para empresas anglófonas. E, outro fato estranho, por que não consigo nem as vagas de tempo parcial oferecidas dentro da própria universidade onde francês não é necessário?
     Entreguei meu currículo para uma amiga que me disse como reestruturá-lo para o modelo canadense, o que talvez aumentasse minhas chances. Agradeci a ajuda e fiz as alterações. E lá se foram mais vários currículos nas mais diversas direções e pras mais diversas funções. Nada.
     Confesso que é difícil não desanimar, não começar a se entregar pra conhecida sensação de fracasso que mora escondidinha lá dentro e que, apesar de domada por anos de terapia, de vez em quando escapa e vem à tona. Manter o otimismo, continuar a procura por qualquer trabalho que queiram me aceitar quando de novo me sinto dando murro em ponta de faca, é muito desgastante. Não tenho a chance de nem ao menos mostrar que sou esforçada, que aprendo rápido e que trabalho duro se me derem a oportunidade de trabalhar.
     Onde estará o erro? Por que as portas não se abrem? Cada ano que passa o tal currículo fica mais sem sentido. Detesto esse sistema. Currículos não provam nada sobre a real capacidade e qualidade do trabalho da pessoa a quem pertencem.
     Enfim... a revolta precisava sair de dentro de mim. Tudo isso só pra falar que não sei mais que "fórmula" usar pra escrever os dito cujos. Nada parece funcionar. Começo a pensar se deveria fazer um "curso técnico de sei lá o quê bem mão na massa do que se precisa pelo mundo" pra ver se aparece alguma coisa. Mas, pra ser sincera, não acredito que adiante.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Entrevistas de Emprego

   
Fonte da imagem: onlinedegrees.com
     A primeira entrevista de trabalho em um país estrangeiro a gente nunca esquece!
     Era uma manhã ensolarada e quente de primavera em Montreal e lá fui eu para uma entrevista coletiva. No Brasil, entrevistas coletivas significam dinâmicas de grupo e vários exerciciozinhos chatos a serem realizados com ou sem os "coleguinhas". Saí de casa já psicologicamente preparada pra enfrentar a sabatina de chatices que essas dinâmicas trazem. Cheguei lá e, pra minha surpresa, ao invés de 30 pessoas esperando ansiosamente, eramos apenas 10. Entramos  na sala e me senti num "reality show" esquema "The Apprentice". Ao contrário de Donald Trump, os avaliadores eram simpáticos e sorridentes e, também, em número muito superior ao que costuma acontecer em território brasileiro. Para os 10 candidatos haviam seis avaliadores.
     Duas mesas compridas, uma de frente para a outra, se encontravam na sala com nossos lugares devidamente marcados por plaquinhas com nossos nomes. A primeira hora da entrevista coletiva foi uma apresentação da empresa, do trabalho para o qual estão contratando, das possibilidades de crescimento e do processo de seleção. Até aí, nenhuma novidade. A segunda parte começou com a apresentação individual dos candidatos. Deveríamos dizer nossos nomes, de onde somos e algum feito que nos traga realização e diga um pouco sobre nós.
     Começaram as apresentações e eu fui escolhida para ser a segunda. Fiz aquela apresentação básica: "meu nome é Flora Romero, venho do Brasil, estou cursando mestrado em história na McGill, blábláblábláblá", na hora da realização falei que me sinto orgulhosa de ter traduzido um livro fantástico sobre meio ambiente.Daí vieram os outros. Do "alto" dos seus 20 e pouquíssimos anos saíam vomitando cifras e mais cifras dos mais diversos motivos pelos quais arrecadaram dinheiro. Falavam aquelas coisas básicas (e ridículas) como "trabalho pesado e sou focado em metas". Eu apenas observava e pensava que tem tanta coisa mais interessante na vida... olhava ao redor e me via como um peixe fora d'água. Eu não tenho cifras pra falar, não ficarei enchendo a boca pra dizer que trabalho pesado porque quem já trabalhou comigo sabe e quem ainda não trabalhou vai descobrir, além do mais, sempre penso que, quem se enche demais acaba fazendo o oposto na hora "h".
     Saí da entrevista coletiva já sabendo que não seria chamada pra entrevista individual que aconteceria essa tarde. Era óbvio que eu não fazia parte daquilo ali. Saí com a certeza de que não nasci pro mundo dos negócios. Jamais serei alguém que sai falando números, ou contando vantagem sobre realizações. O que exatamente é uma realização? É algo tão pessoal. Algumas pessoas acreditam que ter feito muito dinheiro num determinado momento é algo de que se orgulhar e se gabar. Sem problemas. Eu jamais serei dessas pessoas. Pra mim, realizações são coisas que deixam a mente e o coração felizes. Trabalhar num navio do Greenpeace, aprender a ler, passar de ano em quimica/física/matemática, aprender vários idiomas, publicar um artigo, ver a sementinha que plantei virar uma planta e dar frutos, receber um elogio sincero por um personagem bem trabalhado, ver meu trabalho de tradução nos mais diversos lugares, ter participado do movimento escoteiro, aprender a tocar um instrumento musical (e/ou cantar), ter poucos mas sinceros amigos... essas são algumas das coisas que considero grandes realizações, e as guardo, bem guardadinhas, no coração.

sábado, 19 de abril de 2014

Pequenas felicidades

     Nesses últimos dias, coisas divertidas têm me vindo à cabeça aparentemente sem razão alguma.
     Me pego rindo sozinha por pensar em palavras como "fronha" e vendo as versões sem acentos criadas pelo celular. Rolei de rir com "pacoca", "pacoquinha" e a idéia de comer uma "maca". Bobagens que deixam a vida mais divertida.
     Outras vezes percebo que pensamentos sobre as pequenas coisinhas que me fazem feliz correm em minha mente. Normalmente como um pano de fundo dos pensamentos mais imediatos e práticos de ter que escrever páginas e páginas, ler textos e mais textos e enlouquecer entrando noite a dentro para cumprir prazos. O fato é que estão lá. E me vejo sorrindo ao pensar na mania da Sophia de entrar embaixo do edredom pra dormir coladinha em mim assim que vou pra cama, no ronquinho do Petruchio e suas espreguiçadas no meio do sono, na recepção calorosa dos dois sempre que chego em casa, no passarinho vermelho que às vezes visita o pátio, na família de esquilos que todos os dias dá o ar da graça, nos bordados que estão quase prontos, nas sementes plantadas há algum tempo e que estão brotando nos vasos, na dança do Cainho escutando rock, no jeitinho meio tímido e educado da Bruninha e da Camila nos vídeos que a Ju posta, no sorriso do Dudu, no carinho da Luisa... Sorrio com dias chuvosos e nublados que trazem cheiro de terra molhada, com a neve que aparece mesmo durante a primavera, com as mudanças na paisagem da cidade conforme passam as estações, com os varais coloridos de roupa nos quintais...
     Sonhos com trilha sonora também são uma boa novidade. As músicas do a-ha ou a carreira solo do Morten sempre me fazem sentir o coração quente e o sorriso brotar no rosto. Acordar com elas na cabeça, então, é certeza de começar o dia bem. Nunca tinha vivido sonhos "musicais" e tenho achado interessante. A-ha, Sting, Bon Jovi, Rolling Stones, No Doubt, Billy Joel, etc têm sido companhias matinais incríveis.
     Porque essas coisas têm acontecido, não sei. Talvez essa tenha sido a forma que meu cérebro achou pra relaxar durante essas últimas semanas do semestre. Se foi essa a razão ou não, impossível saber, mas que tem sido divertido, isso tem.