terça-feira, 11 de agosto de 2020

Gerando vidas - parte 2: à espera da confirmação

A ligação da enfermeira não apenas confirmou o resultado positivo do teste mas também informou que o tal "hormônio da gravidez" (hCG) não tinha duplicado nas últimas 24 horas, mas triplicado, o que era um ótimo sinal. Maravilha! Ela pediu que eu continuasse com as injeções intramusculares de progesterona até o dia do ultrassom. Agora era esperar, de novo, mais 6 semanas para fazer o tal ultrassom de viabilidade.

Com o bom resultado, minha cabeça começou a lembrar de cada detalhe de todo o caminho que tinha me levado até ali. Lembrei da tristeza que fiquei quando fui comprar, novamente, mais três "exemplares" do doador que havia escolhido mas estavam em falta. Essa seria a inseminação número quatro. Triste, acabei comprando três exemplares do doador que havia escolhido como segunda opção, mas era uma segunda opção bem longe da primeira. Na terceira vez que precisei comprar as "coisas" do doador, esqueci de ligar pra verificar a disponibilidade e comprei direto pelo site. Pouco tempo depois, recebi uma ligação do banco me falando que não havia disponibilidade do que havia comprado (a segunda opção). Do auge da frustração com tudo, lembro de falar pra mulher: "não me diga que terei que escolher uma terceira opção?! Tá achando que escolher doador é que nem escolher mamão na feira?". A coitada, que não tinha culpa de nada, ficou tão sem graça que foi olhar quem havia sido a minha primeira opção e, pra minha surpresa, me disse que aquele doador a quem escolhi com tanto carinho estava novamente disponível. Agora o tratamento havia dado certo e com o doador escolhido a dedo! Foi como se a felicidade inundasse cada célula do meu corpo. Agora era só esperar. "Só".
Nesse meio tempo, e com o resultado dos números triplicados de hCG, uma pulguinha se instalou atrás da orelha e fui pesquisar sobre níveis de hCG em gravidez múltiplas. Algo dentro de mim desconfiava de que carregava gêmeos.

Como meus pais sabiam que eu tinha passado pela fertilização in-vitro, contei pra eles que dessa vez o tratamento tinha dado certo, mas continuei não contando pra mais ninguém. Decidi que só contaria depois das primeiras 12 semanas se tudo corresse bem.

Quando completava cinco semanas, acordei sangrando. Sangrando muito. Pânico! Toda esperança e felicidade parecia que estava se esvaindo em um rio vermelho que manchava o pijama, lençol, colchão. Liguei correndo pra clínica de fertilidade pra saber o que fazer. Como sempre, a ligação cai na secretária eletrônica das enfermeiras que te retornam assim que disponíveis em caso de emergência ou até 48 horas depois se não for urgente. Deitada no sofá, tensa, consegui esperar duas horas antes de correr para o hospital. Chamei um táxi e fui para a emergência do hospital da faculdade onde fiz meu mestrado, pois sabia que lá seria atendida em inglês, pois meu francês ainda não era bom o suficiente pra lidar com questões médicas. O simpático taxista querendo puxar conversa, e eu só conseguia tremer de medo e pensar que o caminho até o hospital parecia infinito.

Chegando na emergência, fiquei na fila da triagem, o que não levou muito tempo. Quando fui chamada, a enfermeira perguntou se o sangramento enchia um absorvente grande inteiro em menos de uma hora, respondi que não. Ela fez meu cadastro, incluiu a descrição do sangramento que dei pra ela e me mandou de volta pra sala de espera. Seis horas se passaram, a angústia crescia, e nada de eu ser atendida. Foi quando recebi a ligação da clínica. Fizeram a mesma pergunta sobre o absorvente, anteciparam meu ultrassom de viabilidade para o primeiro horário da manhã seguinte, me mandaram deitar e ficar tranquila que esse tipo de sangramento era normal no início de uma gravidez. Normal... sei... só se for pra eles! No hospital, ainda nada de me atenderem. Fui até o enfermeiro da triagem e falei pra ele que a clínica tinha me ligado de volta, que fariam o ultrassom na próxima manhã, e perguntei se tinha como ele saber se eu seria atendida logo no hospital. Ele olhou o computador, olhou nos meus olhos como quem pede desculpas por algo que não fez e disse que era melhor eu ir pra casa e fazer o exame na clínica de manhã porque ali no hospital ainda iria demorar e era capaz de eu ter que passar a noite na sala de espera. Voltei pra casa com a ansiedade a mil, mal conseguia esperar pela manhã seguinte. Aquela noite não preguei os olhos, não tinha como. A única coisa que me acalmava é que o sangramento tinha quase acabado, mas isso não diminuía o medo do meu sonho ter ido embora naqueles vários mililitros que se esvairam durante o dia.

Cheguei na clínica bem cedo pela manhã e, mais uma vez, a espera parecia eterna. Quando finalmente entrei na sala de exames dei de cara com a médica que havia me passado o tratamento e me acompanhado durante esses três anos. Foi a primeira vez que fiz um ultrassom com ela. Sim, porque ali na clínica, nunca se sabe quem fará o seu ultrassom e, em quase três anos, nunca havia sido com aquela doutora.

Lembro de ver duas "bolhas escuras" cada uma com uma massa dentro com formato que parecia cavalo-marinho. Ela me mostrou e disse que eram os embriões, que eles não haviam ido embora na enchurrada vermelha do dia anterior. Suspeita confirmada: gêmeos! Felicidade!!! Respirei aliviada mas ainda tensa, pois precisava saber se eles estavam bem. Ela continuou o exame e encontrou batimento cardíaco em ambos. Coisa maluca pensar que duas coisinhas daquele tamanho já possuem um coração. Ok, ainda não é um coração completamente desenvolvido com suas quatro cavidades, mas já bate. Ainda assim é algo muito doido! A natureza é incrível!

Saí do exame aliviada e feliz de ambos ainda estarem ali, firmes e fortes, crescendo aconchegados. A clínica marcou um segundo ultrassom quando completasse oito semanas para confirmar se continuava tudo bem e a médica me recomendou continuar com as injeções intra-musculares de progesterona até o final do 3º mês. Beleza, o que seriam mais seis semanas de ficar medindo o quadrante superior externo do bumbum e seu auto aplicar pra quem já o fazia há dois meses?! Ela também disse: "esse era meu medo de implantar dois embriões, de você ter gêmeos sendo mãe solteira". Só respondi que, depois de tantos anos, de tantas tentativas frustradas e com chances tão minúsculas de um único embrião se implantar, não imaginei que os dois fossem vingar, mas que estava pra lá de feliz com esse presente do universo! Ela me deu os parabéns e desejou uma gravidez o mais tranquila possível. Me deu um abraço e nos despedimos. Não a vi mais depois disso. 

Voltei pra casa feliz como nunca! Apreensiva com medo de outro sangramento e sabendo que a palavra da hora continuava sendo: esperar, a diferença é que agora a espera era repleta de felicidade e amor.


(Continua no capítulo 3.)

Fonte: zazzle.co.nz