terça-feira, 18 de julho de 2023

Olhando pra dentro

     Quase 4 anos se passaram desde a última vez que escrevi aqui e, de repente, senti um impulso pra recomeçar. Tantas coisas aconteceram desde a minha última postagem. Resumindo, muitas perdas, perdas dolorosas e muito aprendizado.

     Em 2021 perdi a pessoa mais importante da minha vida, meu chão, meu coração. Meu pai era o ser humano mais incrível que já conheci. Ele veio a este mundo para ajudar não apenas aqueles ao seu redor, mas aqueles que nem sabiam que ele existia. Ele trabalhou nos bastidores para a melhoria dos sistemas de saúde pública no Brasil. Suas contribuições para tal são incontáveis. Ele era uma grande mente! Mas não vim aqui falar dele, pelo menos ainda não.

     O objetivo deste texto é mais pensar em tudo o que o universo nos traz, como isso afeta nossas vidas e, às vezes, as razões por trás disso.

     Recentemente, um ser de luz entrou na minha vida e é como se essa pessoa tivesse catapultado o início da minha auto-jornada, da minha "cura interior". Graças a essa pessoa e à conexão que temos, há alguns meses comecei a me aprofundar no meu próprio ser. Estou trabalhando não apenas em minha mente, mas em meu corpo e em meu espírito. Desde o início desta jornada, muitas coisas começaram a clicar dentro de mim, a fazer sentido. Muitas memórias passadas da infância à idade adulta começaram a vir à tona, vindo à consciência e parece que as coisas começam a fazer sentido. Coisas sobre como sempre me senti comigo mesmo, como reajo à vida, como me relaciono com os outros em todos os tipos de relacionamento. Meu interesse por livros ressurgiu, decidi me dar outra chance de aprender a tocar violão, comecei alguns cursos sobre tipos de apego (e comecei a trabalhar no meu caminho para um estilo de apego seguro), comecei a meditar, a ler livros sobre espiritualidade, olhar para dentro, a descartar velhos padrões e comportamentos que não me servem mais, e passei a cuidar mais da minha alma.

     Mesmo não estando juntas e apesar da dor da separação, sempre serei grata a essa mulher, pois ela abriu uma porta dentro do meu coração, uma porta para cura, mudança e renascimento. Começo a entender que talvez tenha sido por isso que ela entrou na minha vida.

     Agora entendo o motivo de ter ficado "presa" no Brasil por quase dois anos durante a pandemia. Claro que a Covid afetou a todos, mas na minha jornada pessoal agora ficou claro o que ela me trouxe. Durante todos aqueles 20 meses, lutei contra a situação, queria voltar para casa, criei muita resistência. Eu fui teimosa, sem capacidade de perceber o que estava bem na minha frente. Levei alguns meses para processar tudo depois que voltei para casa. A forma como a pandemia me afetou pessoalmente foi ter me dado o privilégio de estar com o meu pai, diariamente, no que acabaram por ser os seus últimos 2 anos neste planeta.

     Esta está sendo uma jornada muito interessante. Ainda é muito cedo no processo, e o caminho é ilimitado, mas aprendi muito até agora. Consegui perdoar coisas que eu achava que seriam imperdoáveis, estou me livrando de rótulos que atrapalharam minha vida por tanto tempo, não estou mais sentindo carência, apego ou necessidade de perseguir nada nem ninguém . Estou aprendendo a prestar mais atenção no aqui e agora, a me valorizar e a afastar os pensamentos negativos do dia a dia. Sinto mais amor do que nunca, por mim, por todos na minha vida, pelo planeta. Finalmente deixo o gatinho de lado e começo a me ver como o leão que realmente sou.

     Sei que esse não é um texto muito longo, nem muito profundo, porém, senti a necessidade de colocá-lo aqui. Talvez possa, de alguma forma, ajudar alguém a iniciar sua própria jornada.



terça-feira, 11 de agosto de 2020

Gerando vidas - parte 2: à espera da confirmação

A ligação da enfermeira não apenas confirmou o resultado positivo do teste mas também informou que o tal "hormônio da gravidez" (hCG) não tinha duplicado nas últimas 24 horas, mas triplicado, o que era um ótimo sinal. Maravilha! Ela pediu que eu continuasse com as injeções intramusculares de progesterona até o dia do ultrassom. Agora era esperar, de novo, mais 6 semanas para fazer o tal ultrassom de viabilidade.

Com o bom resultado, minha cabeça começou a lembrar de cada detalhe de todo o caminho que tinha me levado até ali. Lembrei da tristeza que fiquei quando fui comprar, novamente, mais três "exemplares" do doador que havia escolhido mas estavam em falta. Essa seria a inseminação número quatro. Triste, acabei comprando três exemplares do doador que havia escolhido como segunda opção, mas era uma segunda opção bem longe da primeira. Na terceira vez que precisei comprar as "coisas" do doador, esqueci de ligar pra verificar a disponibilidade e comprei direto pelo site. Pouco tempo depois, recebi uma ligação do banco me falando que não havia disponibilidade do que havia comprado (a segunda opção). Do auge da frustração com tudo, lembro de falar pra mulher: "não me diga que terei que escolher uma terceira opção?! Tá achando que escolher doador é que nem escolher mamão na feira?". A coitada, que não tinha culpa de nada, ficou tão sem graça que foi olhar quem havia sido a minha primeira opção e, pra minha surpresa, me disse que aquele doador a quem escolhi com tanto carinho estava novamente disponível. Agora o tratamento havia dado certo e com o doador escolhido a dedo! Foi como se a felicidade inundasse cada célula do meu corpo. Agora era só esperar. "Só".
Nesse meio tempo, e com o resultado dos números triplicados de hCG, uma pulguinha se instalou atrás da orelha e fui pesquisar sobre níveis de hCG em gravidez múltiplas. Algo dentro de mim desconfiava de que carregava gêmeos.

Como meus pais sabiam que eu tinha passado pela fertilização in-vitro, contei pra eles que dessa vez o tratamento tinha dado certo, mas continuei não contando pra mais ninguém. Decidi que só contaria depois das primeiras 12 semanas se tudo corresse bem.

Quando completava cinco semanas, acordei sangrando. Sangrando muito. Pânico! Toda esperança e felicidade parecia que estava se esvaindo em um rio vermelho que manchava o pijama, lençol, colchão. Liguei correndo pra clínica de fertilidade pra saber o que fazer. Como sempre, a ligação cai na secretária eletrônica das enfermeiras que te retornam assim que disponíveis em caso de emergência ou até 48 horas depois se não for urgente. Deitada no sofá, tensa, consegui esperar duas horas antes de correr para o hospital. Chamei um táxi e fui para a emergência do hospital da faculdade onde fiz meu mestrado, pois sabia que lá seria atendida em inglês, pois meu francês ainda não era bom o suficiente pra lidar com questões médicas. O simpático taxista querendo puxar conversa, e eu só conseguia tremer de medo e pensar que o caminho até o hospital parecia infinito.

Chegando na emergência, fiquei na fila da triagem, o que não levou muito tempo. Quando fui chamada, a enfermeira perguntou se o sangramento enchia um absorvente grande inteiro em menos de uma hora, respondi que não. Ela fez meu cadastro, incluiu a descrição do sangramento que dei pra ela e me mandou de volta pra sala de espera. Seis horas se passaram, a angústia crescia, e nada de eu ser atendida. Foi quando recebi a ligação da clínica. Fizeram a mesma pergunta sobre o absorvente, anteciparam meu ultrassom de viabilidade para o primeiro horário da manhã seguinte, me mandaram deitar e ficar tranquila que esse tipo de sangramento era normal no início de uma gravidez. Normal... sei... só se for pra eles! No hospital, ainda nada de me atenderem. Fui até o enfermeiro da triagem e falei pra ele que a clínica tinha me ligado de volta, que fariam o ultrassom na próxima manhã, e perguntei se tinha como ele saber se eu seria atendida logo no hospital. Ele olhou o computador, olhou nos meus olhos como quem pede desculpas por algo que não fez e disse que era melhor eu ir pra casa e fazer o exame na clínica de manhã porque ali no hospital ainda iria demorar e era capaz de eu ter que passar a noite na sala de espera. Voltei pra casa com a ansiedade a mil, mal conseguia esperar pela manhã seguinte. Aquela noite não preguei os olhos, não tinha como. A única coisa que me acalmava é que o sangramento tinha quase acabado, mas isso não diminuía o medo do meu sonho ter ido embora naqueles vários mililitros que se esvairam durante o dia.

Cheguei na clínica bem cedo pela manhã e, mais uma vez, a espera parecia eterna. Quando finalmente entrei na sala de exames dei de cara com a médica que havia me passado o tratamento e me acompanhado durante esses três anos. Foi a primeira vez que fiz um ultrassom com ela. Sim, porque ali na clínica, nunca se sabe quem fará o seu ultrassom e, em quase três anos, nunca havia sido com aquela doutora.

Lembro de ver duas "bolhas escuras" cada uma com uma massa dentro com formato que parecia cavalo-marinho. Ela me mostrou e disse que eram os embriões, que eles não haviam ido embora na enchurrada vermelha do dia anterior. Suspeita confirmada: gêmeos! Felicidade!!! Respirei aliviada mas ainda tensa, pois precisava saber se eles estavam bem. Ela continuou o exame e encontrou batimento cardíaco em ambos. Coisa maluca pensar que duas coisinhas daquele tamanho já possuem um coração. Ok, ainda não é um coração completamente desenvolvido com suas quatro cavidades, mas já bate. Ainda assim é algo muito doido! A natureza é incrível!

Saí do exame aliviada e feliz de ambos ainda estarem ali, firmes e fortes, crescendo aconchegados. A clínica marcou um segundo ultrassom quando completasse oito semanas para confirmar se continuava tudo bem e a médica me recomendou continuar com as injeções intra-musculares de progesterona até o final do 3º mês. Beleza, o que seriam mais seis semanas de ficar medindo o quadrante superior externo do bumbum e seu auto aplicar pra quem já o fazia há dois meses?! Ela também disse: "esse era meu medo de implantar dois embriões, de você ter gêmeos sendo mãe solteira". Só respondi que, depois de tantos anos, de tantas tentativas frustradas e com chances tão minúsculas de um único embrião se implantar, não imaginei que os dois fossem vingar, mas que estava pra lá de feliz com esse presente do universo! Ela me deu os parabéns e desejou uma gravidez o mais tranquila possível. Me deu um abraço e nos despedimos. Não a vi mais depois disso. 

Voltei pra casa feliz como nunca! Apreensiva com medo de outro sangramento e sabendo que a palavra da hora continuava sendo: esperar, a diferença é que agora a espera era repleta de felicidade e amor.


(Continua no capítulo 3.)

Fonte: zazzle.co.nz



domingo, 21 de junho de 2020

Gerando vidas - parte 1: como tudo começou

Desde que me entendo por gente, sempre quis ser mãe. Assim como com quase todos que aspiram esse sonho, esperei que a vida trouxesse alguém pra compartilhá-lo comigo. Sim, a vida me trouxe alguns relacionamentos, apenas um me pareceu ir nessa direção mas, infelizmente, acabamos seguindo por caminhos diferentes. Os anos passaram e ninguém mais apareceu. Foi então que resolvi seguir sozinha nessa jornada.

Meu primeiro instinto foi me informar sobre adoção. Existem tantas crianças no mundo precisando de carinho, amor e atenção, então por que não procurar dar um lar à uma delas? Foi quando descobri que o processo de adoção, aqui por bandas canadenses, custa o valor quase total do meu salário anual. E isso cobria apenas para o início do processo, fora a burocracia no caso de se adotar uma criança vinda de fora do país. Vendo que adoção não seria possível, fui investigar a opção restante: ter um filho biológico.

Essa segunda etapa trouxe uma boa notícia: o governo da província cobria os custos de algumas tentativas de inseminção artificial, da minha parte só precisaria pagar pelo "exemplar" do doador. Beleza! Com o relógio biológico batendo, perto de entrar nos "enta" - estava então com 38 anos - comecei o longo caminho que seria a realização deste sonho sem nenhuma garantia de que daria certo.

Minha primeira visita à clinica de fertilização foi estranha. Não gostei do médico que me atendeu e, já na segunda visita havia trocado para uma médica muito mais simpática. Ela me pediu vários exames de sangue, urina, citologia e imagem, e até uma consulta com a psicóloga (obrigatório por essas bandas quando se opta por fertilização assistida). Até que todos os exames ficassem prontos e uma nova consulta fosse feita, passaram-se alguns meses. A médica e eu decidimos o caminho a seguir e mais um passo foi dado em direção à uma possível maternidade. Agora vinha a parte divertida do processo: procurar um doador que me agradasse. 

Refinar a procura no site por cor dos cabelos, olhos, pele, descendência, pode até ser divertido se encararmos como um jogo de "Cara a Cara", mas o refinamento da busca não filtra por personalidade, interesses, etc., que são os traços mais importantes de uma pessoa. Durante uma semana fiquei procurando pelo "exemplar" que mais me agradava. Procurava alguém com tendências artísticas e na área de humanas. Encontrei um perfil que imediatamente me agradou quando li a redação escrita pelo doador do porquê de sua decisão de fazer parte do banco, o fato de ser instrutor de ioga e tocar piano simplesmente o fez mais atraente.

Decidido o doador, comprei o "exemplar" e, seguindo os conselhos da médica, esperei o mês seguinte pra começar o processo físico que culminaria na inseminação artificial. Começou então a dança hormonal: injeções subcutâneas de estrogênio para estimular o amadurecimento dos óvulos e, no dia exato marcado pela médica, outra injeção pra iniciar a ovulação. 48 horas depois se daria a inseminação. Em casa, por conta própria, há meses tomava suplementos para melhorar a qualidade dos óvulos e assim, tentar ajudar o processo de maneira natural.

A inseminação em si leva alguns segundos, o processo todo cerca de dez minutos, mas é uma experiência um tanto quanto estranha. Tudo acontece numa sala médica igual àquelas onde nós mulheres fazemos nossos exames anuais: só instrumentos ao redor daquela mesa com apoio para as pernas que sempre me lembram aqueles espetos de assar galinha. O médico entra, confere o nome do paciente, confirma com o paciente o número do "exemplar" do doador e prepara o cateter. Em segundos, o "exemplar" já está dentro do útero e o médico pede que espere 10 minutos deitada, depois poderia ir embora e retomar as atividades normais. Tudo muito "romântico".

Procedimento feito, começam as excruciantes duas semanas de espera para saber se deu certo, se o ansioso óvulo e o descongelado espermatozóide se encontraram. Ah! E claro, continua-se os hormônios - agora progesterona - pra evitar que o ciclo menstrual continue e sustentar um ambiente propício ao embrião que, quem sabe, começou a se desenvolver desse encontro do óvulo com o espermatozóide que, quiçá, aconteceu. Durante essas duas semanas a progesterona causa efeitos que simulam uma gravidez: ganho de peso, náusea e olfato super sensível foram meus companheiros nos 14 dias de espera. 

Chegado o dia do exame de sangue pra ver se o procedimento tinha sido bem sucedido, a ansiedade toma conta. Exame feito, era hora de esperar mais algumas horas para ter o resultado. Saí da clínica e voltei ao trabalho. O dia continuaria seguindo igual como se nada tivesse acontecido.

A ligação da enfermeira vem algumas horas depois e o resultado era negativo. O processo não foi bem sucedido e agora teria que esperar alguns meses antes de poder tentar novamente. Deveria também, marcar uma nova consulta com a médica.

Esse ritual se repetiu outras 6 vezes. A cada procedimento feito mudavam as minhas reações nos 14 dias de espera. Depois da terceira tentativa, já nem ficava mais ansiosa naquelas duas semanas, era como se nada tivesse acontecido. A única coisa que quebrava essa ilusão do "nada aconteceu" era o fato de ter que tomar remédio todos os dias.

Por motivos pessoais, segui nesse caminho em silêncio, apenas duas pessoas sabiam que eu estava seguindo ativamente o sonho de ser mãe. Decidi assim pra evitar críticas nada construtivas, pois o processo por si só já é estressante, angustiante e difícil o suficiente, definitivamente não precisava de estresse extra vindo de fora. Minha intenção era comunicar apenas a boa notícia quando, ou melhor,  se tudo desse certo.

Escutei de uma amiga que eu precisava relaxar pra que a coisa desse certo. É fácil falar, difícil é fazer. Quando se está tentando engravidar com um parceiro, é fácil relaxar pois o processo todo é divertido, mesmo que não se engravide, aproveitou-se o "procedimento". No caso de fertilização assistida não tem como relaxar simplesmente porque não se tem como esquecer, tem-se horário para tudo: a hora exata das injeções de estrogênio, a hora exata da injeção pra estimular a ovulação, a hora exata da inseminação propriamente dita (sem contar em como é "romântico e agradável" ficar lá de perna pro ar num consultório frio por 10 minutos), a hora exata de tomar os comprimidos de progesterona, a hora exata de fazer o exame de sangue, etc. Relaxar? Impossível.

Alguns dias antes de viajar com minha mãe, numa aventura da qual falávamos há anos e só recentemente tivemos a oportunidade de concretizá-la, passei pela sétima inseminação. Enquanto estávamos visitando a Big Apple, minha menstruação veio, o que significava que o último procedimento de novo não tinha funcionado. Foi quando resolvi contar pra minha mãe sobre minha decisão e o que estava acontecendo.

A reação foi mais neutra do que um dia poderia imaginar, o que, na verdade, me fez bem, pois eu esperava críticas e mais críticas, mas não, ela se mostrou tranquila e neutra. Talvez tenha entendido o quanto aquilo era importante para mim.

De volta à Montreal, decidi tentar a fertilização in-vitro. No entanto, esse procedimento a província não cobria e precisei recorrer à um emprestimo bancário que daria para pagar a primeira tentativa.

Diferentemente da inseminação, a fertilização in-vitro recorre a medicamentos mais pesados e por tempo mais prolongado. Depois de passados alguns meses para o corpo se recuperar e de refazer todos os exames de sangue e físicos necessários, comecei, novamente, as injeções subcutâneas de estrogênio, dessa vez em doses mais elevadas. Junto com elas, me foi receitado aspirina 80mg diariamente. Os suplementos para melhoria dos óvulos continuavam a serem tomados todos os dias, sem falta.

Algumas semanas e várias injeções depois, chegou o dia da colheita dos óvulos. Nesse dia, precisei ir acompanhada à clínica, pois seria medicada para não sentir dor na hora da retirada e precisaria de ajuda para voltar pra casa. Tirei o dia de folga do trabalho, pois sabia que não teria condições de voltar. Meu pai, que estava de visita em Montreal, me acompanhou e ficou ao meu lado até que me chamaram para a sala de cirurgia. Não adormeci com a medicação como disseram que poderia acontecer. Estive acordada durante todo o procedimento mas não senti dor alguma. Assisti, numa tela dentro da sala cirúrgica, a cada óvulo sendo retirado. Cada um levava consigo um pedacinho de esperança. Ali mesmo, os médicos te dão o resultado da quantidade de óvulos retirados, no meu caso foram 30. Ficaram de telefonar para dizer quantos óvulos estavam maduros e depois quantos haviam sido fertilizados.


No dia seguinte, recebi a ligação da clínica: dos 30 óvulos, 15 estavam maduros mas os "exemplares do doador" não estavam nadando o suficiente e precisavam da minha autorização para fazer a fertilização manualmente num processo chamado ICSI (injeção intracitoplasmática de espermatozóide), obviamente concordei e, ao fim do dia, recebi a notícia de que os 15 haviam sido fertilizados com sucesso. Disseram, também, que ligariam em 5 dias para informar quantos embriões se desenvolveram com sucesso. Ao fim daquela semana veio a notícia de que 10 dos 15 embriões estavam se desenvolvendo muito bem e que seriam congelados. Começava agora a última fase - ou, ao menos, era o que eu esperava.


Durante a semana seguinte à retirada dos óvulos, eu me senti muito mal. Os médicos dizem que você pode voltar às suas atividades normais, com exceção de exercício físico, no dia seguinte à colheita, mas não pude voltar ao trabalho por uma semana. Eu me senti inchada, enjoada, com dores de cabeça, cansada... liguei para a enfermeira da clínica, que me pediu para ir lá e fazer um check-up. Como pode acontecer ao tentar a fertilização in-vitro, meus ovários estavam superestimulados devido à medicação e essa foi a razão pela qual eu estava me sentindo tão doente o tempo todo. No meu caso, eles estavam "levemente superestimulados", ainda bem porque, quando estão "altamente superestimulados", corre-se o risco de morrer!

Um mês depois da retirada e da fertilização dos óvulos, recomeçaram as injeções para preparar o útero para receber o embrião, mas dessa vez com uma novidade: injeções intra-musculares de progesterona que deveriam ser dadas todos os dias no mesmo horário por um mês. E a coragem para me injetar com algo intramuscular? Tive que buscar no super desejo e na, agora quase apagada, esperança. Firme e forte, dotada de um desejo enorme de ser mãe, todos os dias às 20hs, lá ia eu para a frente do espelho calcular o primeiro quadrante superior externo do bumbum, respirar fundo e cravar a injeção.

Chegou o dia da transferência do embrião. Ao contrário da inseminação que é feita numa sala de exames, a transferência acontece na mesma sala cirúrgica onde foram retirados os óvulos. Na televisão que antes via os óvulos sendo retirados, dessa vez me foi apresentado o embrião que seria transferido e pude acompanhar todo o procedimento. Novamente, fiquei deitada por 10 minutos, antes de poder ir embora e seguir normalmente o dia. E, mais uma vez, a espera para saber o resultado, só que dessa vez, a espera seria de uma semana.

Com esse novo procedimento, não consegui ficar tranquila como nos outros. Existia, novamente, uma certa expectativa. Chegado o dia do exame de sangue, a esperança estava lá, escondida, tímida, já cansada de tantas frustrações. Ao final da tarde a notícia: o procedimento não havia dado certo. Dessa vez chorei, acho que mais pelo cansaço de tantos medicamentos, exames, idas e vindas de consultas médicas que pelo sonho não realizado.

Na consulta com a médica, para rever as opções e o caminho que tomaria - se desistiria ou se tentaria novamente - decidi fazer uma última tentativa, pois não teria mais como arcar com os custos. Caso não desse certo, teria que abrir mão de mais esse sonho. Depois de tantos anos e tentativas, combinei com a médica que gostaria de fazer a transferência de dois embriões e não apenas um. As chances de o embrião permanecer e se desenvolver já são tão pequenas, que transferir dois aumentaria um pouquinho a chance de um se alojar e triunfar. Ela concordou, e, dalí alguns meses, recomecei todo o tratamento, mas agora, não havia necessidade de retirada de óvulos já que 9 embriões, da tentativa anterior, ainda estavam congelados.

Dessa vez, pedi dois dias de férias no trabalho. Meu plano era fazer o procedimento e, no dia seguinte, relaxar numa viagem relâmpaga à Nova York onde iria assistir uma artista que adoro, Sasha Velour, em seu show solo: Smoke and Mirrors. E, de quebra, faria uma nova tatuagem em estilo Art Nouveau com uma tatuadora alemã residente na Big Apple.

No dia da transferência, por incrível que pareça, fui sem expectativas. Fui levada à sala de preparação e, alguns minutos depois, estava na sala de cirurgia de touquinha e propé esperando, pacientemente, a médica para o procedimento.

Pela primeira vez desde o início dessa saga, além da consulta com a minha médica, o exame de ultrassom para ver se o útero estava "no ponto" e a transferência foram realizados por mulheres. Me senti protegida, amparada, compreendida e abençoada. Existe um certo vínculo, uma conexão não explícita entre nós mulheres, algo que nunca senti antes e que não sei explicar direito, mas é como se existisse uma cumplicidade por sabermos exatamente o que significa para nós essa busca, esse desejo e o quanto apenas nós entendemos realmente, lá no fundo, os nossos corpos. Não sei explicar, mas a sensação de ter sido cuidada por mulheres do início ao fim dessa última transferência foi mágica.

Na sala cirúrgica, aquela mesma televisãozinha que acompanhou a retirada dos meus óvulos e a transferência mal sucedida do embrião anterior agora me mostrava dois embriõezinhos. Lembro de achar interessante que, apesar de ambos serem embriões de 5 dias vindos da mesma colheita, um era bem branquinho e o outro meio cinzento. Lembro também de pensar "oi queridos, eu sou a mamãe de vocês".

Procedimento realizado, fui pra casa em paz, tranquila. Algo dentro de mim parecia ter sossegado e tudo que me passava pela cabeça era "se der certo, deu, senão, então não era pra ser". Cheguei em casa ansiosa pela viagem do dia seguinte.

Fui para Nova York sem pensar em transferências, tratamentos, frustrações, nada que remetesse aos vários anos de tentativas. Só pensava que iria aproveitar aqueles três dias antes de voltar para a realidade. Dito e feito. Cheguei na cidade que nunca dorme e fui direto ao estúdio encontrar a tatuadora. 5  horas e meia depois, saía de lá feliz e carregando comigo uma nova arte. Ansiava pela performance que veria no dia seguinte.

Acordei com uma fome lancinante, coisa que nunca me acontece ao acordar. Em geral, levo umas duas horas depois de acordada para sentir fome. Saí para tomar café da manhã, passeei pela cidade, voltei para descansar antes do show. Me arrumei e fui assistir Sasha Velour.

Smoke and Mirrors foi uma obra prima a qual tive a oportunidade e a felicidade de assistir. Sasha nos faz rir, chorar, pensar, refletir... Há anos não assistia algo tão bom! Valeu muito a pena a corrida de três dias à New York, New York. Saí do teatro faminta novamente. Devorei uma pizza grande, sozinha, no quarto do hotel em pouquíssimos minutos. Caí dura na cama, e no dia seguinte, dei uma última volta pela cidade antes de voltar para casa.

De volta à Montreal, só precisava esperar mais 3 dias para fazer o exame de sangue e saber se, dessa vez, a transferência tinha sido bem sucedida. Continuei como estava durante a viagem: em paz, tranquila, sem ansiedade, sem expectativa e esfomeada.

Feito o exame de sangue, o final do dia reservou a surpresa da ligação da clínica: teste positivo. Me segurei na comemoração, pois deveria retornar à clínica no dia seguinte para realizar um novo teste e verificar se os hormônios haviam duplicado em volume nas 24 horas que se seguiram.

Cheguei na clínica com aquela pontinha de esperança que insiste em aparecer mesmo quando não a queremos por perto. Exame feito, horas de espera, ligação da enfermeira me parabenizando, pois estava grávida. Agora era esperar 6 semanas para fazer o ultrassom de viabilidade.

(Continua no próximo capítulo...)

terça-feira, 24 de março de 2020

Quando o mundo parou

Há algum tempo o mundo vem passando por um cenário que parece saído de ficção científica. Assim como as imagens das torres gêmeas despencando pareciam cenas de filmes hollywoodianos, assistir, não apenas na televisão, mas no dia-a-dia, à cidades desertas é algo muito estranho. 

Anteontem me aventurei até a agência do banco, pois precisava ir ao caixa eletrônico. Ver a W3 completamente vazia, sem uma única vivalma, me remeteu à lembrança daquela Brasília de 30 anos atrás quando todos iam embora da cidade assim que as férias escolares começavam e, consequentemente, a cidade parecia fantasma.

Às idas à farmácia e ao supermercado também parecem surreais. Ao mesmo tempo que todos se solidarizam uns com os outros pela situação em que nos encontramos, esses mesmos olhares solidários tem por trás o medo. Pessoas se cumprimentam na rua, continuam simpáticas umas com as outras, mas os olhos parecem enxergar cada um como um hospedeiro em potencial desse inimigo invisível. 

Esse mesmo cenário desolador cria situações tragicômicas. Outro dia, na padaria, todos respeitavam a distância de 2 metros entre cada cliente até que um senhor entrou e deu uma única tossida. Imediatamente todos, absolutamente todos, deram um pulo pra trás ao mesmo tempo. Se um coreógrafo tivesse tentado conseguir tal sincronicidade num ensaio, não teria conseguido.

É estranho ver os militares em roupas amarelas especiais como aquelas do filme Epidemia desinfetando a rodoviária de Brasília. É estranho olhar pela janela e ver a quadra completamente vazia.

Aqui em casa a população humana se resume a minha mãe, eu, meus pequeninos, e Maria, nossa ajudante querida. Temos sorte de ter companhia. Penso naqueles que estão sozinhos em casa. Penso em como seria se estivesse em Montreal sozinha com meus nenéns. Teria que ir ao supermercado e farmácia com eles e, assim, expô-los ainda mais. Nesse momento, penso que foi bom decidir passar algum tempo da licença maternidade em Brasília com meus pais. Por outro lado, agora que estou perto dos amigos, só é possível encontrá-los virtualmente como se ainda estivesse no Canadá. Sim, é excelente termos a tecnologia que temos para nos comunicarmos com todos que amamos e que estão longe de nós, mas contato virtual não é e nunca será a mesma coisa do contato pessoal. Aliás, essa é a pior parte de tudo isso: não poder encontrar, abraçar e rir com os amigos.

Quando tudo isso passar, espero apenas que todos nós percebamos quanto tempo temos passado olhando para telas de celular e não para o rosto de um amigo. Quanto tempo passamos olhando redes sociais em aparelhos que tomam nossa atenção mesmo quando estamos na presença de outros. Espero, de coração, que reaprendamos a valorizar o contato pessoal, deixemos as telas de lado e aproveitemos a presença física uns dos outros. 


domingo, 7 de outubro de 2018

Devo ter tido muito azar

Esses últimos meses, de tensão, apreensão e medo, têm me feito pensar muito na minha vida, em tudo que aprendi e continuo aprendendo, e naqueles que cruzaram meu caminho.

Quando nasci, meus pais não sabiam se eu seria menino ou menina, branca, negra, índia, asiática. Isso pra eles não importava. Estavam lá de coração aberto pra receber aquele serzinho, fosse ele quem fosse. O mesmo aconteceu com o resto da minha família: avós, avôs, bisavó, tios e tias, todos de braços abertos pra me receber.

Meus pais me ensinaram a respeitar a vida dos seres vivos não importando Reino, Filo, Classe, Ordem, Família, Gênero ou Espécie.

Cresci com amigos de todas as etnias e classes sociais. Estudei em escola pública e em escola particular e nunca desfiz de quem estudava em uma ou em outra.

Aprendi com meus pais, avós e tios que violência não é solução e só leva à ainda mais violência.

Também me ensinaram que o conhecimento é a maior e melhor arma para: entender de onde viemos e porquê as coisas são da maneira como são hoje; para analizar e discernir caminhos que levarão a um futuro bom pra todos e não apenas para alguns; para não repetir histórias tristes do nosso ou de outros países, ou seja, aprender com a história.

Me ensinaram a respeitar e apreciar a liberdade, e tudo que ela significa: poder ir e vir, opinar, ser quem se é.

Meus pais sempre deixaram claro quando não concordam com decisões que tomo, mas mesmo assim, sempre estiveram ao meu lado me apoiando. Imaginem só que, com essa e outras atitudes, meus pais me ensinaram a amar incondicionalmente. Mas que absurdo!

Fui levada ao escotismo pela minha tia. Lá conheci pessoas de todos os caminhos de vida. No movimento aprendi que não estamos sozinhos no mundo e que este não gira ao redor do nosso umbigo e das nossas vontades, mas que precisamos uns dos outros pra sobreviver e viver. Que juntos podemos muito mais do que divididos.

Cresci aprendendo que as diferenças não são ameaçadoras, mas sim, enriquecedoras. As diferenças são o que fazem esse mundo incrível.

Aprendi a amar as pessoas por serem pessoas, não pela cor da pele delas, pelo sexo com o qual nasceram, pelo país de onde vieram, pela orientação sexual, pela religião, pois isso não as define. Ninguém é melhor ou pior do que ninguém, todos somos iguais. O que define uma pessoa é o seu caráter, não a sua religião, sua etnia, sua orientação sexual, ou gênero.

Me ensinaram a não ser hipócrita e a ser honesta, e assim, nunca me deixei levar por aquele famoso "jeitinho".

Aprendi que todos somos um com o planeta e que precisamos mais dele do que ele da gente, por isso mesmo, temos que defendê-lo, amá-lo, cuidá-lo.

Também fui ensinada que o verdadeiro significado de família não está na ligação de sangue, mas na ligação amorosa que compartilhamos.

Sair do armário foi fácil, pois sempre tive certeza do amor deles por mim. Nunca quiseram outra coisa que não a minha felicidade. Nunca me menosprezaram por eu ser quem sou.

Até hoje minha família - sem laços de sangue - nunca me decepcionou. Sempre esteve presente, sempre apoiou, sempre mostrou amor incondicional a cada adversidade e em cada bom momento.

É... eu devo ter dado muito azar mesmo, pois parece que o que, ultimamente, é considerado "de boa moral" é exatamente o contrário de tudo que sempre me ensinaram. Pois se é assim, eu prefiro continuar sendo “imoral".

domingo, 4 de março de 2018

A multidão

Todos os dias, à caminho do trabalho, vejo a multidão no ônibus, no metrô e me sinto como mais um número. Apenas isso, um número. Um número triste. Apenas mais um num gigantesco grupo de pessoas que repete o mesmo dia de novo e de novo: acorda no mesmo horário, toma o mesmo (ou quase o mesmo) café da manhã, se veste, vai para o trabalho e repete a mesma tarefa hora após hora sonhando com a hora de voltar para casa e com o fim de semana sem perceber que cada um desses tediosos dias infelizes é um dia em na vida que jamais voltará.

Faço parte dessa multidão com olhos cansados ​​e tristes nas manhãs de segunda-feira, mas minha mente nunca deixa de se perguntar como as pessoas podem continuar a repetir infinitamente algo que não as faz feliz? Como e o que posso fazer para mudar meus dias e não cair neste mesmo caminho sem sentido minha vida inteira?

Source: BBC
A multidão move-se lentamente, no mesmo ritmo, até mesmo sua respiração parece seguir o mesmo ansioso e desanimado ritmo. Sorrisos não embarcam no ônibus de manhã, apenas rostos sérios e sonolentos encarando o vazio. Não quero seguir essa multidão.



Nós crescemos ouvindo que devemos fazer o que amamos, mas e se o que amamos não abre as portas? E se todo o tempo, esforço, lágrimas e alegria que você colocou em seus sonhos, não desbloqueou nenhuma passagem? Eventualmente você acaba na multidão, esta triste multidão das segundas-feiras.

Como chegamos aqui? Como e quando a sociedade se tornou essa repetição de tarefas chatas sem um pingo de prazer? Quando esquecemos de nos divertir? De desfrutar cada dia? Mas o mais importante, como podemos sair dessa existência sem sentido?

Quanto mais tempo ficamos em um cargo de trabalho, mais difícil é sair dele. Não porque não queremos, mas porque outros só verão a última e a mais longa experiência que tivemos. O que fazer quando você cai em uma área na qual você nunca pensou, nunca nem passou pela sua cabeça e, consequentemente, num trabalho que para você não faz sentido? Paga as contas, ok, mas é só isso a vida? Me recuso a aceitar essa hipótese. Mas como mudar quando você não sabe o que fazer, onde ir e como chegar lá? Quando você se sente completamente perdido sabendo que seus sonhos de carreira não acontecerão mais? Como mudar de direção quando todas as conexões que você vem fazendo no trabalho não conhecem seu potencial, não conheçam suas experiências anteriores e nem mesmo seu nível de educação para poder encaminhá-lo à outra coisa, à algo mais adequado para você ?

Source: DeviantArt - Amandine Van Ray
Se alguém aí conhece a resposta para essas perguntas, não se sinta tímido em se manifestar, em dar dicas, em transmitir seu conhecimento sobre como podemos mudar as coisas. Todo mundo merece a oportunidade de despertar para uma vida que ama, trabalhar em algo que os faz bem, ser feliz. Às vezes, tudo o que precisamos é um olhar externo para ver diferentes perspectivas, caminhos diferentes. Nunca é tarde demais para escalar essa montanha, mesmo que, às vezes, tudo o que precisemos seja um empurrãozinho.

terça-feira, 15 de março de 2016

Não entendo.

   Juro que não entendo o pensamento corrente por algumas cabeças no Brasil de hoje. Tenho visto tanta reclamação de que as manifestações que estão ocorrendo só são atendidas pela classe média branca.
   Vamos começar pelo começo. O Brasil se encontra sob um sistema político chamado democracia. Diferente de um estado totalitário, a democracia permite que façamos a escolha dos nossos governantes e também permite que, se não estivermos satisfeitos, nos manifestemos por mudanças. Em nenhum momento vem atrelado ao direito de manifestação a classe social ou a etnia. Uma classe social não tem mais ou menos direito de se manifestar que a outra. O mesmo vale para a etnia.
   Sim, o Brasil tem um passado difícil, complicado e, historicamente falando, recente. O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão em 1888. A sociedade brasileira vem mudando desde então e continuará a mudar. A cor da classe média hoje é resultado de uma história turbulenta mas que está caminhando pra mudança, só que essas mudanças não acontecem da noite para o dia, nem em uma dezena de anos. Existem processos em andamento para que inclusões necessárias sejam feitas e mais pessoas possam ter acesso a um padrão de vida melhor (com tudo que isso significa), mas essas mudanças levam tempo. A classe média que hoje está aí, é, majoritariamente branca, sim, é verdade, mas isso não significa que não queira a inclusão, que não queira também uma sociedade mais justa. Ninguém tem culpa da cor ou da classe social onde nasceu. Nada disso desmerece o direito à indignação, à frustração, ao desejo de mudança. Nem um, nem outro, invalida o direito de manifestação.
   A classe média sustenta o país. Infelizmente, a classe pobre é tão miserável que não consegue arcar com a própria vida, que dirá com o imposto de renda e, em sua grande maioria, encaixa-se na classificação de "isento". A classe alta, uma minoria, sozinha não sustentaria esse enorme país. Quem arca com grande parte dos impostos é a classe média, trabalhadora que sua para ganhar a sua vida. Se olharmos pra nossa história, quem sempre foi pra rua se manifestar contra os rumos do país? Vamos nos reter ao século XX que é mais pertinente pela liberdade da nação e da população já estar mais consolidada. Lembrem-se, estamos falando da maioria dos que saíram para se manifestar. Quem foi a grande maioria que saiu às ruas para lutar contra a ditadura? A classe média. Quem foi de bandeira em punho pedir Diretas Já? A classe média. Quem saiu às ruas pedindo o impeachment do Collor? A classe média. Isso pra citar apenas três das várias manifestações populares do século passado. Então, continuo sem entender qual é o problema da classe média ir para a rua se manifestar agora. Criticar e desmerecer pela classe e pela etnia é uma forma de preconceito, sim, portanto, cuidado com esse caminho.
Aqueles que reclamam que os que vão às ruas são de classe média e/ou brancos, se estivessem insatisfeitos e saíssem em manifestação, também gostariam de ter seu direito respeitado.
Ao invés de ficarmos de picuinha com quem é que vai às manifestações, vamos permitir ao outro que utilize o seu direito democrático de mostrar a sua insatisfação. Não é necessário concordar com as manifestações, mas para que o país seja realmente melhor no futuro, é necessário saber respeitar o direito de todos de protestar, de cobrar mudanças quando sente-se necessário. Jamais 100% da população concordara e gritará em uníssono pelas ruas. Então, minha gente, vamos parar com essa guerra de classes que não leva a lugar algum. Ninguém é inimigo de ninguém. Quem quer mudança, protesta, quem não quer, nesse momento não sai às ruas. Num futuro, pode ser você o incomodado que precisará sair empunhando bandeira e pedindo um país melhor, e, quando esse dia vier, você também vai querer o seu direito de manifestação respeitado.
Vamos nos dar as mãos e pensarmos como uma nação que, seja pelo caminho que for, tem um só objetivo em comum: um país melhor para todos.