sexta-feira, 12 de abril de 2013

Aprendendo a ficar em silêncio

     Faltam poucos dias pra completar oito meses em Berlim. Nesse tempo, muita coisa aconteceu. Muita coisa estranha, na verdade. Vim para cá com o coração aberto para as novas experiências, para uma nova vivência, mas, infelizmente, as coisas não sairam como se pensava. Aliás, quem está "próximo" (via Skype) bem sabe como tem sido complicado.
     Durante esses meses fui ficando introspectiva. Introspectiva não apenas por estar longe dos amigos e, assim, difícil de conversar com eles sobre o que acontece comigo; mas também porque os acontecimentos me fizeram olhar pra dentro de mim. Acho que nunca antes tive tanto tempo pra prestar atenção em tudo que passa aqui dentro. Um amigo está fazendo um exercício pra conhecer melhor o que se passa dentro dele e penso em fazer também. Consiste em escrever três páginas direto, ao acordar, de tudo que passa pela cabeça, sem censura, sem pensar, só escrever o que vier. Se for uma frase, uma palavra, um nome, um som, deve ser colocado no papel. Mas apenas escrever, não ler que é pra não se reprimir. Depois de um mês, você volta e lê tudo o que escreveu. Talvez seja uma boa aproveitar esse momento pra fazer isso. Que bichos será que aparecerão?
     Sinto como se estivesse em um período de meditação forçada. Uma auto-terapia intensiva onde todos os dias os grilos que rondam lá no fundo vêm à tona e sou obrigada a lidar com eles. Confesso que tem sido difícil, muito difícil devido ao turbilhão interno momentâneo, mas tenho enxergado algumas coisas com mais clareza.
     Em um dos dias mais difíceis, resolvi tirar uma carta do tarô para ver qual era o motivo de eu passar um ano aqui. Saiu a carta da "paciência". No Osho Zen Tarot, a carta "paciência" é representada por uma mulher grávida sentada, completamente em paz, sob as fases da lua. Ela não tem o que fazer além de ter paciência, pois as coisas estão mudando dentro dela e, uma hora, essas mudanças virão para fora. Achei perfeito com o momento. Tirando a diferença de não estar me sentindo completamente em paz, parece que a "paciência" caiu como uma luva para o momento.
     Fico pensando que no final de cada experiência sempre há uma lição. Exatamente qual é, ainda não sei. Mas tenho aprendido bastante sobre algumas coisas, principalmente a ficar em silêncio. Acho que nesses 8 meses fiquei mais tempo em silêncio do que em toda a minha vida. Presto atenção nos detalhes da minha trajetória, os caminhos tomados, as decisões, os orgulhos e os remorsos. Muito tempo dedicado ao passado. Às vezes é bom revisitá-lo. Quem sabe até faça uma imitação do broche "In Silence" que minha mãe trouxe das meditações dela no Ashram do Osho (lá na Índia). Berlim é, também, uma cidade silenciosa. Coisa essa que eu gosto muito. Com meu silêncio (e o da cidade), escuto o som dos passarinhos festejando a chegada da primavera, o som da respiração dos meus filhotes quando estão dormindo, o som da chuva na janela e, claro, o barulhinho da geladeira. Mas ouço, principalmente, meu coração. O que ele sente, o que quer, do que/de quem sente saudade.
     Meu serzinho interno está cheio de sentimentos e pensamentos em relação à vida, às mudanças, aos sonhos, às desilusões. Todos os dias penso muito em tudo que me levou a chegar aqui. Não apenas os motivos da mudança de país, mas toda minha trajetória de vida que faz de mim quem sou hoje. Caminhos muito interessantes e caminhos tortuosos. Muitos sorrisos e muitas experiências boas. Muita gente boa cruzou meu caminho nessa vida e, mesmo que não tenham permanecido no dia-a-dia, ficaram no coração. Se o silêncio serve pra pensar nelas, então, já vale muito a pena.

terça-feira, 12 de março de 2013

O Oscar Papal

     Hoje, quando os cardeais se reúnem para escolher um novo Papa, não consigo deixar de pensar como tudo parece os preparativos para o Oscar. 
     Os jornais não páram de noticiar quantos cardeais pertecem ao conclave, como está organizada a Capela Sistina para a reunião, como será a cerimônia, quem são os "indicados" e os possíveis vencedores da cadeira mais importante da Igreja Católica. Até a indumentária papal já foi motivo de notícia na televisão. Agora questiona-se o "mistério" da fumaça preta e da fumaça branca. 
     Tal como no Oscar, existem aqueles que ingenuamente acreditam que a cadeira (ou a estatueta?) será dada a um africano ou latino americano, quando todos sabem que o "prêmio" sempre irá para alguém de dentro da casa (nesse caso, a casa é a Europa). Tal como na entrega de prêmios da academia, alguns candidatos deveriam dar-se por satisfeitos de serem considerados para concorrer com aqueles que, com certeza, levarão o título.
     Parece que o mundo se esquece de todos os escândalos atuais envolvendo essa instituição que já foi, e continua sendo, o personagem principal de grandes escândalos durante toda sua história. Tudo parece uma grande festa. Aposto que tem até brasileiro achando que vai sair fumacinha verde e amarela da chaminé no Vaticano.
     É possível entender o que significa um Papa para aqueles que se encontram dentro da Igreja, para aqueles que vivem em seminários e conventos; mas para as pessoas que não estão envolvidas na vida religiosa, qual a verdadeira importância do Papa em suas vidas? Como e por que isso afeta sua crença? Não sigo nenhuma religião, mas acredito que ser católico, muçulmano, judeu, etc, significa escolher as ferramentas que melhor se adequam consigo para se atingir Deus. As ferramentas estão disponíveis há séculos, com ou sem Papa. A maneira como uma pessoa se relaciona com o Ser Supremo é individual. Pode-se se seguir determinadas regras, determinados caminhos, mas o que uma pessoa entronada em Roma pode mudar na vida de quem crê? Que real diferença isso faz para os milhões de católicos ao redor do mundo? Foi-se a época que a autoridade papal intervia em governos, guerras e vidas privadas de forma incisiva e definitiva. Hoje, sua influência ainda existe, mas diminuida. A Igreja parou no tempo, não se atualiza, não quer lidar com a realidade da vida no século XXI e as questões que este traz. Para que serve um Papa hoje?
     Enquanto a cerimônia não acaba, tal como no Oscar, milhares de pessoas ficam na expectativa. Nesse caso, que estatueta será utilizada? Melhor roteiro de ficção ou melhor ator coadjuvante? Porque, definitivamente, melhor diretor não será.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O Papa não é pop

     Assistindo ao canal americano CNN, hoje à tarde, fiquei sabendo que o Papa Bento XVI renunciou ao cargo. De acordo com a televisão, ele deverá deixar o papado no dia 28 de fevereiro. Essa notícia pegou não apenas o mundo, como o próprio Vaticano de surpresa, de acordo com o porta-voz do chefe da Igreja Católica.
     Um Papa abdicar de seu posto não é novidade na história da Igreja, mas a última vez que isso aconteceu foi em 1415. Entre o fim do século XIV e início do século XV a Igreja Católica enfrentava o que ficou conhecido como Cisma do Ocidente (ou Grande Cisma - 1378 - 1417). Entre 1303 e 1377 a sede do papado não era em Roma, mas em Avignon, na França. O Papa Gregório XI deixou Avignon e reestabeleceu a sede em Roma. Quando da sua morte, Urbano VI tomou posse mas não agradou ao Conselho dos Cardeais e se recusou a restaurar a sede em Avignon. Os cardeais italianos então fizeram uma campanha contra sua escolha e, em conclave, elegeram Clemente VII. Este ficou conhecido como o Antipapa, e se instalou em Avignon. E, assim, começou o cisma.
     A "confusão" dentro da Igreja continuaria por mais 39 anos e chegaria ao ponto da co-existência de três Papas. Ao ser eleito, em 1406, Gregório XII (sucessor de Inocêncio VII, cuja sede ficava em Roma) estava disposto a acabar com o problema do cisma e chegou a dizer que abdicaria do papado caso isso significasse paz definitiva dentro da Igreja. Mas ele precisou enfrentar muitas dificuldades para que essa paz fosse alcançada. Durante o Concílio de Constança (em 1414) Gregório XII foi considerado de fato o único Papa, os outros dois Antipapas, João XXIII e Bento XIII, foram depostos. Foi durante o Concílio que Gregório XII entregou, através de seu amigo Carlo Malatesta, sua abdicação à assembléia que a acatou. O Concílio então elegeu, em 1417, Martinho V, reestabelecendo assim a unidade da Igreja e acabando com o cisma.
     Desde sua eleição, em 2005, Bento XVI não teve a mesma receptividade entre católicos, ou não, como seu antecessor João Paulo II. E, segundo alguns, ele seria o último Papa de acordo com as previsões de Nostradamus. Sabe-se que essas previsões têm inúmeras interpretações e os amantes da "teoria da conspiração" estão sempre prontos a aceitá-las sejam quais forem. Mas não deixo de pensar que é, no mínimo, curioso o Papa anunciar sua renúncia em plena segunda de Carnaval. Talvez os deuses pagãos estejam sorrindo em algum lugar.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Pés no chão?

     Outro dia tive um sonho interessante. Uma bactéria (ou vírus, sei lá) estava atacando as pessoas e elas iam perdendo pedaços inteiros do corpo e continuavam vivas até que o corpo se despedaçasse totalemente. E todos tínhamos que tentar não encostar no chão. Não adiantava subir em árvores, ou nada que tivesse contato com o chão, então, o jeito era achar uma maneira de ficar flutuando por aí. No meu sonho, era uma bicicleta (olha que não assisto E.T. há anos!) que precisávamos pedalar loucamente pra que ela não saísse do ar. Na bicicleta estávamos meu pai, eu e um monte de pessoas desconhecidas. Lembro de pensar que minha mãe estava a salvo em algum lugar. Olhando lá de cima para a terra, via-se pedaços de pessoas espalhados por todo canto. Nojento!
     Contei esse sonho pra minha mãe. A interpretação dele por ela foi muito interessante. Como é bom ter uma astróloga genial na família! Ela me deu duas interpretações que fizeram bastante sentido. A primeira, a interpretação do sonho como uma visão coletiva da humanidade, achei que bem cabia ao momento atual do mundo com tantas mudanças acontecendo (concretas e de mentalidades). Parece mesmo que estamos perdendo pedaços nossos pelo caminho, mas, a meu ver, essas perdas são necessárias para o surgimento de novas formas de lidar com o próximo e com o planeta. Mas a segunda interpretação, a individual, foi a que mais ficou rodando na minha cabeça. Ela me disse que talvez eu não queira colocar os pés no chão porque senão terei que perder partes minhas, e meu pai me ajuda a ficar flutuando sem pousar.
     Fiquei pensando bastante sobre essa segunda interpretação e nunca imaginei que alguém, um dia, me diria que eu não coloco nunca os pés no chão. Se um leão-áries-câncer não coloca os pés no chão, o que dizer de alguém ar-ar-ar??? Eu sei que não sou a pessoa mais "aterrada" do mundo, mas também não sou a mais voadora. Mas o mais importante: o que significa colocar os pés no chão? Significaria ficar na mesma cidade por toda a vida, trabalhando em qualquer coisa que não dê o mínimo prazer só para pagar contas? Ou não tentar realizar nenhum dos nossos sonhos porque sonhos são hetéreos e não concretos? Mas não devemos tentar realizá-los? Ou seria não aceitar desafios, não correr riscos, viver em linha reta?
     Crescemos ouvindo que devemos sonhar e ir atrás dos nossos sonhos, bem como ouvir nosso coração. E foi isso que fiz minha vida inteira: ir atrás dos meus sonhos, tentar realizá-los, e ouvir meu coração. Sempre acreditei que todos deveriam fazer isso, e continua acreditando que, se a humanidade realmente seguisse seu coração, o mundo seria um lugar bem mais agradável.
     Continuo pensando no assunto e não consigo chegar à uma conclusão. Então, o que realmente significa "colocar os pés no chão"?

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Um pouco de História

     O que é Berlim senão a história contemporânea viva e latente? Que outra cidade do mundo possui uma história recente tão complexa e, mais ainda, tão famosa? Um dia desses fui dar uma passeadinha por aí e ver algumas coisas que turistas, normalmente, passam direto.

     Nesse local funcionou o que ficou conhecido como "Aktion T4", ou "Ação T4" em português. De 1939 a 1941 os nazistas levaram adiante o projeto que ficou conhecido por esse nome. A maioria das vítimas - homens, mulheres e crianças - eram pessoas com deficiência mental ou física que, sob a perspecitiva de uma raça pura e de uma nação saudável (ideologias do Nacional Socialismo) eram consideradas inaptas para viver. Após as "avaliações" dos pacientes, que incluíam a qual "raça" estes pertenciam, aqueles julgados incapazes de trabalhar eram enviados para um dos seis centros da Aktion T4: Bernburg, Brandenburg, Grafeneck, Hadamar, Hartheim e Pirna-Sonnenstein onde eram assassinados. A Ação T4 foi a única iniciativa nazista que conheceu o protesto públicos em larga escala e por isso foi abandonada, mas então, mais de 70 mil pessoas já haviam sido mortas, entre elas "desajustados sociais", delinquentes e homossexuais. Mais tarde descobriu-se que, embora oficialmente extinta, a Ação T4 foi levada adiante em outros locais, como campos de extermínio. Mais de 200 mil pessoas foram assassinadas pela Ação T4 e outros programas de "eutanásia" do Terceiro Reich. O nome "T4" refere-se ao endereço da casa que sediava a Ação: Tiergartenstrasse 4. Hoje a casa não existe mais e essa área é ocupada pelo Kultuforum e a Filarmônica de Berlim.



Monumento a Johann Georg Elser

  Johann Georg Elser nasceu em 1903, em Hermaringen, Alemanha, e passou parte de sua adolescência durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1938 a Alemanha parecia novamente caminhar em direção à guerra e Elser ficou apreensivo que isso pudesse acontecer. Embora Hitler, então, proclamasse a paz, Elser não acreditava nele e acreditava que era necessário remover os líderes nazistas do poder através do assassinato destes.
    Para descobrir como fazê-lo, Elser viajou para Munique, em 8 de novembro de 1938, para participar do discurso anual que Hitler fazia no dia do aniversário da sua frustrada tentativa de tomada de poder em 1923. Georg Elser percebeu que o evento não possuia uma segurança eficiente, o que facilitaria suas idéias. Nessa mesma noite ele presenciou, também, a explosão de violência contra os judeus que ficou conhecida como "Noite dos Cristais". Essa foi a gota d'água que faltava para que ele se convencesse de que uma liderança capaz de incitar tal violência levaria o país à guerra e que apenas a morte de Hitler evitaria isso. Elser escolheu, então, o mesmo evento no ano seguinte para realizar seu plano: assassinar Hitler explodindo uma bomba durante seu discurso na Bürgerbräukeller.
     Algumas semanas antes do discurso de aniversário Elser viajou para Munique. Por mais de um mês ele frequentou o local, ficou amigo dos garçons e conseguiu uma maneira de ali permanecer mesmo depois do horário de serviço. Durante esse período ele conseguiu fazer um buraco na pilastra atrás do pulpito e colocou a bomba ali.
     Devido ao início da guerra Hitler decidiu cancelar o discurso, mas depois voltou atrás contanto que estivesse de volta em Berlim na mesma noite. Ele costumava discursar das 20:30 às 22:00, mas naquele dia, devido à neblina, os aviões não podiam decolar e o "Führer" precisou retornar à Berlim de trem, fazendo com que precisasse encurtar seu discurso. Assim, Hitler deixou a Bürgerbräukeller 13 minutos antes da bomba de Elser explodir.
      Georg Elser tentou fugir para a Suíça e foi detido pela polícia de imigração. Embora os policiais não desconfiassem que ele estivesse envolvido no atentado, após encontrarem cartões postais da cervejaria em seu casaco ele foi associado à explosão e, então, enviado para Munique. Na capital da Baviera Elser foi interrogado pela Gestapo, mas permaneceu em silêncio e negou qualquer envolvimento na explosão. Garçons identificaram Elser como frequentador assíduo do local e, mais tarde, ele acabou confessando. Após sua confição, Elser foi transferido para o quartel-general da Gestapo, em Berlim, onde foi torturado. O líder da SS, Heinrich Himmler, não conseguia acreditar que um homem simples, com pouca instrução, fosse capaz de quase assassinar Hitler sem ter cúmplices. Elser foi enviado ao campo de Sachsenhausen (em Berlim) e depois para Dachau (próximo à Munique) onde foi morto em 1945. Anos mais tarde foi confirmado que Elser arquitetou tudo sozinho, sem ajuda de ninguém.

"Ich habe der Krieg verhindern wollen."
("Eu queria evitar a guerra.")
 

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Ano Novo

     Há alguns dias a professora nos contou que os alemães adoram fogos de artifício. Realmente, algumas semanas antes do Natal vários cartazes de vendas dos tais fogos começaram a proliferar pela cidade. Em cores extravagantes, dos mais diversos formatos, pendurados em árvores e sacadas, lá estavam eles avisando que, naquele local, era possível comprar Feuerwerk. Mas nada me preparou para o que vi pelas ruas.
Foto retirada de http://blog.housetrip.com/new-years-eve-in-europe/
     A "fogueteação" começou às 19hs. Claro que não com tanta intensidade, mas o barulho estava lá, constante até a meia-noite. Decidi não ir para lugares onde a multidão estaria, como o Portão de Brandemburgo ou a Alexanderplatz, mas ficar em casa. No que o relógio virou o último minuto, bem nessa hora, saí para encontrar uma amiga na praça que fica há três quadras da minha casa. Nunca havia sentido medo nas ruas da cidade, mas hoje, me assustei até não poder mais. As ruas parecem um campo de guerra. Você pisa em cartuchos e caixas de fogos a cada passo. Absolutamente todo mundo vai para a calçada e solta seu arsenal particular. E não são "estalinhos", são realmente fogos de artifício daqueles que estouram no céu colorindo tudo e fazendo sons estranhos. São famílias inteiras, grupos de amigos, pessoas sozinhas: todos com suas bombinhas. Não se consegue dar um passo sem levar um susto, sem ter que se proteger de algum fogo vindo na sua direção, e sem pensar que sua audição nunca mais será a mesma. Lágrimas escorrem dos olhos com a quantidade de fumaça que enche as ruas. E se você pensa que isso dura uns 10 minutinhos, está muito enganado! A "fogueteação" braba dura 1 hora!!!!!!!! (Contado no relógio! Sério!)

     A volta para casa foi complicada, pois não sabia se deveria andar pela calçada ou no meio da rua, não sabia de que direção me proteger porque, durante toda a caminhada, me via cercada de fogos vindo de todos os lados. Cheguei em casa com os ombros nas orelhas e os olhos arregalados. Nunca pensei em ver Berlim sob uma nuvem cinza de fumaça e estouros sem fim. Já não sou muito fã do ano novo desde criança, mas nunca tive uma sensação tão estranha quanto hoje. Não sei se é o peso da história da cidade, mas à noite, no meio da fumaça, com cacos de vidro, cartuchos e caixas de fogos, sujeira para todo lado, parecia que uma luta tinha acontecido por aqui. Fiquei com uma sensação pesada. Prometi que voltaria para encontrar o pessoal num bar, mas acho que a coragem ficou no bolso.

* Esse vídeo é da virada de 2011/2012 e não foi filmado no meu bairro, mas é assim pela cidade toda. Acho que dá pra ter uma noção do caos. (Deixem chegar aos 40 segundos para ver as ruas.) Fogos de Ano Novo em Berlim (2011/2012)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Expectativas

     O que faz com que uma pessoa sinta orgulho de outra?
     Faz algum tempo que certos pensamentos andam rondando a minha mente. Não sei se bons ou ruins, construtivos ou destrutivos, ou se apenas dúvidas normais de qualquer ser humano. Já que ninguém fala sobre isso, como saber?
    Desde que nascemos temos uma expectativa gerada em cima de nós e, conforme crescemos, criamos nossas próprias expectativas (sobre nossas vidas e sobre outras pessoas) e tentamos superá-las ou, ao menos, satisfazê-las. Algumas pessoas parecem não ter vida própria e seguem todo o manual de instruções que receberam de seus pais desde seu nascimento sem nunca expressar suas próprias vontades e desejos. Alguns até confundem essas expectativas externas com seus desejos íntimos. Outros vivem para não cumprir nada daquilo que lhes foi planejado, vivem para desafiar tais expectativas. E outros, acredito que a maioria, vivem meio lá e meio cá tentando satisfazer as expectativas e sonhos alheios e próprios. Esses últimos, coitados, penam.
     Acho que me encaixo no último grupo. Sei que, como todos os pais e mães da Terra, os meus também criaram suas respectivas expectativas em cima de mim sobre o tipo de vida que eu teria, a carreira que escolheria, etc. Sinceramente, acho que frustrei todas. Há dentro de mim dois seres diferentes que brigam e não parecem se entender. Um gostaria de viver nos anos 50 e apenas cuidar da casa e dos filhos, seguir aquilo que a sociedade espera e encontrar a felicidade nas coisas simples trazidas pelo manual de instruções sociais. O outro tem horror às coisas simples demais, não consegue se satisfazer com pouco, não segue várias regras impostas pela sociedade e nunca faz o que se espera dele. Viver com essa dicotomia dentro é complicado. Bem complicado.
     Meu lado tradicional adora cozinhar (de preferência coisas doces, difíceis e belas, como de confeitaria), bordar, cuidar da casa, acha lindo romance tradicional daqueles de receber flores e chocolates, casas com jardim onde crianças e gatinhos brincam no quintal, famílias e comemorações de Natal com tudo que tem direito. O outro lado é mais impaciente, não consegue trabalhar ou fazer nada que não proporcione o mínimo de prazer, não acha seu lugar no mundo, vai para onde o vento soprar, não se encaixa na definição social de família, não se encaixa em nada daquilo que é esperado de uma pessoa do sexo feminino com exceção do gosto por maquiagem, vestidos e saltos.
     Na verdade, ambos os lados adorariam ter um trabalho que desse uma boa renda e que fosse agradável; ambos gostariam de ter uma casa com gatinhos e crianças correndo no quintal. Mas a realidade às vezes bate e me pergunto o que será que meus pais pensam de mim? Ao que tudo indica eu não sou um exemplo de filha. Não sou daquelas que dão orgulho aos pais: não casei, não tenho filhos, não me sustento (não chego nem perto disso!), não encontro meu lugar no mundo, tenho menos rumo hoje do que tinha na adolescência e muito mais frustrações, não consigo realizar nenhum dos meus sonhos mais importantes, já passei dos 30 e não tenho a mínima perspectiva de conseguir realizar o mais simples dos meus sonhos: uma casinha com jardim e uma pequerrucha a tiracolo. Fico imaginando o que eles devem pensar e sentir... Queria enche-los de felicidade, cumprir pelo menos alguns dos sonhos deles, ser motivo de orgulho, mas não sei ser de outra forma.
     Às vezes acho que nado contra a correnteza, outras que a correnteza me leva sem que eu tenha nenhum controle sobre a direção. Cada ano que passa é mais um peso sobre os ombros, mais cobrança interna e mais frustração. Dizem que a vida tem um plano pra nós e não adianta ir contra ele. Será? Que plano será esse que até agora não parece se mostrar? E mais expectativa se cria, dessa vez sobre a vida.
     Difícil questão essa das expectativas.