sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Sentindo

     Engraçado prestar atenção nos caminhos que a vida faz. Como algo que começou de coração aberto e pronto pra uma vida diferente se transforma em algo que fecha esse mesmo coração. E, aquilo que abriria os campos da vida social, é a mesma coisa que a trava. Não sei. Sei que gosto de estar aqui. Não sei pra onde a vida irá me levar e estou tentando tomar as rédeas dela nas minhas mãos. Não posso dizer que sou do tipo que vai com o vento, pois sou do tipo que vai com o coração. Não, nunca me arrependi de ir com ele. Mas depois de um ano e dois meses, algo que começou como uma aventura se tornou um retiro espiritual. Gostaria que esse "retiro" se retirasse, pois a saudade de um convívio social bate à porta. Sinto falta de conversas ao vivo, regadas a um café quentinho, risadas e a companhia de pessoas queridas. Sinto falta de abraços apertados e sinceros, como só amigos sabem dar. Sinto falta de olhares de cumplicidade, de piadas internas, de letras de musicais cantadas a altos brados e acompanhadas de gargalhadas. Sinto falta.
     Me sinto fechada. Sei que o passado passou e que as coisas são como são. Lugar novo, vida nova. Aguardo, anseio e vou seguindo a vida da melhor forma possível. Agora... como se faz pra abrir o coração de volta pro mundo?

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Montreal ou Como sobreviver sem desodorante roll-on

     Depois de morar um ano em Berlim e mudar, novamente, para um lugar desconhecido, com outra cultura e outra língua, a comparação tornou-se inevitável. Sei que cada cidade tem sua própria história, seu próprio contexto mas, ainda assim, me senti compelida e expressar tais comparações.
     Embora Montreal possua latitude mais ao sul (45°30'N) do que Berlim (52°31'N), a média de temperatura é mais baixa. Talvez isso se deva por Montreal ser uma ilha no meio do rio São Lourenço. Além do mais, Berlim tem umidade relativamente baixa e Montreal, ao contrário, é úmida, fazendo com que a sensação térmica seja, durante o verão, maior, e durante o inverno, menor do que a temperatura oficial. Mas questões climáticas e geográficas não são tão importantes nesse momento. O que me interessa mesmo é falar um pouco sobre minha experiência até agora.

     Montreal é uma cidade muito interessante, com bairros que diferem completamente um do outro ao ponto de se pensar que poderiam ser cidades diferentes. Onde moro, por exemplo, o bairro é residencial, cheio de casinhas e prédios como o meu: com dois andares e subterrâneo, onde cada andar é um apartamento (ou dois no segundo andar).

Foto: http://www.utexas.edu
Já o bairro mais conhecido da cidade, o Plateau Mont-Royal, é caracterizado pelos prédios baixos com acesso ao segundo andar pelo lado de fora. Essa talvez seja a imagem mais famosa de Montreal: as antigas casas de operários com suas escadinhas saindo diretamente na calçada. Agora, o centro da cidade é uma profusão de prédios modernos se mesclando aos prédios antigos e, bem ali, fica o campus da McGill University (ou como dizem os francófanos: Mêguil).
Centro de Montreal visto do Campus da McGill
     Uma das coisas que me impressionou logo que cheguei mas, infelizmente, no mau sentido, foi o barulho da cidade. Sim, morei 9 anos no Rio de Janeiro que é uma cidade bastante barulhenta, mas o ano passado em Berlim me fez esquecer o que isso significava, já que lá, a cidade é tão silenciosa que nem parece cidade grande. Na chegada em Montreal o barulho foi, decididamente, uma surpresa inesperada. Não apenas o barulho dos carros pela rua, mas tudo é bastante barulhento. As descargas e secadores de mãos dos banheiros públicos, os ônibus, as ruas, e o metrô. Ah, o metrô é ensurdecedor! Aliás, o dito cujo é uma experiência única por si só: além do barulho ensurdecedor, ele possui pneus nos carros (nunca tinha visto isso antes), faz curvas, sobe e desce (ok, sei que todos devem fazer, a diferença é que aqui se sente tudo isso dentro do vagão), e freia. Ô se freia!!! Às vezes as freadas são tão fortes que chegam a assustar. E,
Foto: http://en.wikipedia.org/wiki/Montreal_Metro
diferente de Berlim, as estações não possuem elevadores. Se por lá já era necessário colocar as pernas pra funcionar, aqui então, é pernas pra que te quero! Apenas quatro estações possuem elevadores, todos nas últimas estações da linha laranja.
     Outra coisa que me surpreendeu foi o preço das coisas. Depois de morar em uma cidade relativamente barata, Montreal foi um susto. Não sei se eu esperava um padrão de preços no esquema Estados Unidos, ou seja, também barato, mas com certeza não esperava os valores que encontrei. E, lembrando, o preço mostrado no produto não é o total final, pois 15% de imposto incidem na hora do pagamento no caixa. Ah! E pra quem ama queijos, como eu, a diversidade dos queijos na Alemanha é de encher os olhos e manter o bolso quase intacto. Aqui, as opções são mais restritas, e os preços bem altos. Adeus camembert de forno! 
     Como uma cidade do "Novo Mundo", o apelo automobilístico é grande, e ciclovias são raras. No centro elas estão por toda parte, mas fora dali a coisa muda de figura. Não se vê tanto ciclista e raras pessoas usam suas bicicletas como meio de transporte diário como em Berlim. Isso era uma das coisas que eu mais gostava em terras germânicas: poder ir a todo lugar de bicicleta e me sentir segura sabendo que não iriam passar por cima de mim com um carro. Mas claro, lá a cultura ciclística é bem mais forte do que por essas bandas. Existem iniciativas de bicicletas de aluguel, como as do Itaú no Rio, na saída das estações de metrô mas falta a infraestrutura para tornar a bicicleta um real instrumento de transporte e não apenas de lazer.
     Outra diferença gritante é o domingo. Isso mesmo: domingo! Enquanto em Berlim tudo fecha e não se tem nem supermercado aberto, por aqui tudo abre. Os montrealenses passeiam pelos parques, vão ao cinema, ao jardim botânico, mas também aproveitam o dia para compras. Nesse sentido é bastante parecido com as grandes cidades do Brasil.
     Diferente do que acontece no norte da Europa, não se vê tanta gente atirada pelos gramados da cidade em dias de sol. Claro, sempre tem alguém lagarteando, mas no geral, não tantos como nos parques europeus. O local onde mais vi isso acontecer foi no campus da faculdade, onde as pessoas aproveitavam o intervalo entre as aulas pra se aquecerem um pouco ao sol enquanto o clima ainda permite.
Foto: eng.wikipedia.org
     
Uma das grandes sacadas de Montreal é a "cidade subterrânea": uma rede de passagens por debaixo dos prédios do centro interligando shoppings, galerias, teatros, prédios residenciais e escritórios, etc. Pra se ter uma idéia, a cidade subterrânea possui 32km, acesso à 7 estações de metrô, 2 estações de trem, uma rodoviária, e possui mais de 120 acessos pelo lado exterior. Para uma cidade onde os invernos
Ligação da Place-des-Arts com o metrô
Foto: en.wikipedia.org
podem chegar à quase -40ºC, nada melhor do que poder ir do metrô diretamente para seu destino sem precisar colocar o nariz pra fora, não?
     No mais, Montreal é legal. As pessoas são simpáticas e prestativas, os serviços podem não apresentar a eficiência germânica, mas funcionam e atendem bem a população. A cidade é bem cuidada e arborizadas com vários parques para passear. O fato de abrigar quatro universidades de renome e vários "colleges" a torna uma cidade vibrante e com atrações para todos. Cafés se espalham em cada esquina e alguns funcionam 24 horas. Pra quem gosta desse tipo de programa, como eu, a cidade é excelente!
     Sim, eu sei que não deveria ter comparado Montreal e Berlim, pois é como comparar alhos com bugalhos, mas é inevitável. Depois que estamos acostumados a viver de uma certa forma, é impossível não fazer comparações. Tento restringir as comparações ao que mais me surpreende, e, aos poucos, vou me adaptando à nova vida e deixando elas de lado.
     E o desodorante roll-on? Só duas marcas oferecem 1 perfume nesse formato. Pois é... complicado.



quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Tschüß, Berlin!

     Há exatos 368 dias cheguei em Berlim e hoje termino meus dias nessa cidade que me acolheu por um ano.
     Não. Não sentirei saudade dos dias tristes, da dificuldade de fazer amigos, do peso emocional que me podou de diversas formas e em vários níveis. Também não sentirei falta da "bipolaridade" que afeta a população quando mudam as estações. Ou da obrigação que querem te impor de ir para a rua simplesmente porque faz sol.
Não. Não sentirei saudade das várias lágrimas derramadas e da dor que por meses afligiu meu coração e atormentou meus pensamentos. Também não sentirei falta da escuridão que tomou conta de mim e do peso que carreguei nos ombros por tanto tempo.  

     Choro. Choro por aquilo que gostaria que tivesse sido, que tivesse vivido, mas que não pôde ser.
     Entendo os ciclos do universo e acredito que, assim como na natureza, também na vida, após o inverno vem a primavera. E meu solo interior está fértil para a chegada dela. Foi um longo e tenebroso inverno.
    Berlim foi um lugar onde aprendi muito, principalmente sobre mim mesma. Muita coisa estranha aconteceu por aqui, em todos os sentidos. Mas também, coisas extremamente boas. Então... sim, sentirei saudades.


   Sentirei saudades do silêncio da cidade, das folhas coloridas cobrindo as calçadas durante o outono, dos caminhos escorregadios cheios de "sorvete de flocos" no inverno. Sim, sentirei saudade da primavera. A primavera mais exuberante, colorida e perfumada que já conheci.
Sentirei saudade das tulipas que brotam nos lugares mais inesperados, dos dentes-de-leão que cobrem cada pedacinho verde de grama e a transformam em um tapete amarelo; das milhares de flores do campo das mais variadas cores e dos mais incríveis perfumes. Sentirei saudade das nuvens de sementes sendo levadas pelo vento e que passam pela gente deixando as roupas grudadas de sementes menos afortunadas que encontraram, ao invés de terra, algodão e lã para se fixarem. Das sacadinhas floridas. Do vento fresco ao cortar caminho de bicicleta pelos vários parques da cidade e dos inúmeros tons de verde das árvores, heras e arbustos que neles se encontram.


     Sentirei saudade dos morangos doces, macios e perfumados que derretem na boca como pedacinhos do paraíso. Das framboesas e sua medida exata entre o doce e o azedinho. Das cerejas gigantes, escuras e deliciosas. Dos "pêssegos achatados" e cheirosos.
     Mas o que Berlim me trouxe de mais importante e especial, foi a oportunidade de passar dias incríveis ao lado de pessoas mais que importantes. 
Berlim proporcionou um reencontro histórico com duas pessoas que têm lugar cativo no meu coração.


Foi por estar aqui que minha mãe superou coisas extremamente difíceis para ela e veio até a antiga "cidade dividida" resgatar sua metade alemã.



Foi aqui que encontramos um de nossos irmãos de alma. 



Recebi muito mais visitas do meu pai do que esperava. 





Aqui recebi uma amiga muito querida que me deu o prazer de vê-la algumas vezes. 


Tive o privilégio de apresentar a cidade para a sobrinha-afilhada mais incrível que alguém poderia pedir aos céus.

    

 Assim, termino mais um ciclo da vida e que dele fiquem apenas os bons momentos. Graças à natureza e à incrível sorte que tenho em ter pessoas tão maravilhosas em minha vida, levarei essas lembranças comigo e, quando pensar no tempo que por aqui passei, são elas que virão à memória. Pois, estas fotografias do coração, são as que realmente valem a pena. E é hora de um novo capítulo.

sábado, 3 de agosto de 2013

Um dia no Mar Báltico

     Ontem fui, pela primeira vez, em uma praia alemã. Já estive em outras praias na Europa, mas apenas visitando rapidinho já que sempre venho para cá no inverno; mas nunca havia realmente visto como funcionam as coisas durante o verão e, confesso, achei engraçado.
     Logo na chegada já achei algumas coisas curiosas. Sim, sei que não estou em um país tropical e que as praias são diferentes. Mas, como diria Jack Estripador, vamos por partes. Primeiro, a praia em si. Logo ao chegar percebi que o mar não possui ondas. Quem entende de oceanos e seus níveis sabe o que significa um mar nível 1: sem ondas, parecido com um lago. A areia é branca e fina, mas com várias pedrinhas no meio. Ao invés de conchas na beira da água, apenas seixos e muita, mas muita, alga-marinha. Para se chegar à parte mais funda, cruza-se um verdadeiro tapete fechado de algas-marinhas em todas as suas formas e cores. É tão raso que se caminha muito até conseguir estar submerso até o pescoço. A água transparente e fria mas, por incrível que pareça, menos fria que a água de Ipanema e um tráfego intenso de barcos comerciais e turísticos cruzam o horizonte. Existe até uma rota turística específica que conecta sete países com construções góticas em tijolinhos através do Báltico: Suécia, Dinamarca, Alemanha, Polônia, Lituânia, Latvia e Estônia.
     Na Alemanha as pessoas lidam de uma forma diferente com o corpo. Na minha opinião, uma forma muito mais saudável. Um corpo é um corpo e só, mostrá-lo não significa nada, e eles lidam muito bem com o nu. Por aqui, especialmente no antigo lado oriental, é muito comum que as praias tenham o aviso "FKK" na entrada. "FKK" significa "Freikörperkultur", na tradução literal: cultura do corpo livre, ou, como se diz no Brasil, nudismo. Mas diferente do que acontece no hemisfério sul, aqui as praias "FKK" não são isoladas, são praias onde todos vão independente de praticarem ou não o nudismo. Embora eu acredite que seja muito saudável lidar com o corpo dessa forma, pessoalmente não consigo ficar nua em público e, confesso, é estranho mergulhar e, ao sair da água, dar de cara com uma pessoa pelada na sua frente. Mas a naturalidade com que os alemães lidam com isso faz com que fiquemos confortáveis com a situação. Diferente do que ocorre no litoral brasileiro, por aqui as praias não são local de paquera. Talvez por isso, essa relação com o corpo seja ainda mais livre e feliz. Crianças, jovens e velhos, com ou sem roupa de banho, se espalham pela areia da praia. 
     O sol, impiedoso no alto dos seus 40ºC não dava trégua e a areia se encheu de guarda-sóis, tecidos que formam cercas ao redor do "seu" pedaço de areia, barracas (isso mesmo, barracas de camping) e Strandkörben (literalmente "cestas de praia"). Por aqui as opções para se proteger do sol são mais numerosas. Não, não pensem que isso acontece porque eles têm a pele bastante branca pois não usam filtro solar. Aliás, vi apenas um casal passando filtro solar neles e nas crianças, no geral, o pessoal se joga na toalha e torra sem proteção alguma. Eu, com minha fotofobia e hipersensibilidade da pele ao sol, fiquei escondida dentro da minha "cesta de praia" observando o passar das horas e o tamanho da vermelhidão da pele das pessoas. Algumas já estavam tão vermelhas que eu só conseguia pensar: "ai, isso dói". Mas me impressionou foi a falta de cuidado com crianças pequenas. Várias pessoas sem proteção nem de um simples guarda-sol, com suas crianças de 1 ano já vermelhinhas depois de apenas alguns minutos sob os sol. 
As "cestas de praia" são invenções muito interessantes e práticas. A princípio, apenas olhando, achei que fossem desconfortáveis por sua aparência dura mas a verdade é outra. Feitas de vime, essas cadeiras fornecem uma sombra verdadeira que protege de verdade. Elas possuem almofadas para sentar e se encostar, apoiadores para pés e pode-se movimentar sua cobertura para deixá-las mais abertas ou fechadas. Caso esteja ventando muito (e o vento por aqui é fresquinho), elas protegem sem abafar. Pode-se também, ajustar o banco interno para que fique mais deitado ou mais em pé. E, para se bronzear nelas, basta virá-las na direção do sol. Realmente muito interessante.
     Outra coisa bastante curiosa pra quem está acostumada à água de coco, Mate Leão, Biscoito Globo, empadas e toda uma série de produtos alimentícios (e não alimentícios) sendo vendidos na praia não é o fato de não existirem vendedores ambulantes na areia porque sabemos que essa é uma característica das praias brasileiras e, principalmente, cariocas; mas o fato de estarmos na Alemanha e não ver quase ninguém bebendo cerveja. Eu imaginava que o pessoal aproveitava a praia para beber cerveja, se bem que por aqui, eles não precisam de desculpa pra isso. Mas durante o dia inteiro, vi apenas um cara bebendo cerveja. Em sua maioria, vi crianças comendo picolé (até aí, tudo bem) e pessoas bebendo café. É isso mesmo: café na praia! Nos trailers onde se alugam os guarda-sóis, cerquinhas, barracas e "cestas de praia", existe máquina de café. Que tal um cappuccino sob o sol? Ou então, um Late Macchiato acompanhado de Currywurst (salsicha com molho curry)?
     Se alguém disser que alemães não vão à praia porque não possuem boas praias, posso dizer que não é verdade. As praias alemãs são belas. Só precisamos aprender a admirar a beleza de uma geografia diferente da nossa, mas nem por isso menos ou mais bonita. Elas são lindas e os alemães as aproveitam muito. Do jeito deles, da maneira como lidam com tudo que envolve uma ida à praia, eles sabem aproveitá-las muito bem. Foi uma experiência muito interessante, divertida, educativa e, acima de tudo, tranquila.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Primavera em Berlim

     Dizer que a primavera é uma estação linda além de clichê é óbvio, mas o que não imaginava é que a primavera podia ser tão perfumada e tão colorida quanto aqui na Alemanha. Berlim finalmente está linda!
     Claro que temos flores, perfumes e primavera no Brasil. Sem dúvida que temos. E são lindas! Mas nunca imaginei algo como o que vejo pelas ruas aqui. Mal o inverno vai embora, a grama logo brota verdinha. Um verde claro quase fluorescente. Em seguida começam a surgir os botões de flores. Isso mesmo, botões de flores na grama! A grama por aqui é super florida. Nela nascem os conhecidos dentes-de-leão (que, ao contrário do que acontece no Brasil, aqui não são considerados "ervas daninhas"), e outras amarelas, rosas, brancas, roxas. A grama por si só já é um espetáculo de tão linda e colorida. Depois vêm os arbustos. Inteiramente cobertos de flores e, na sua maioria, sem folhas, eles desabrocham em tons de amarelo, lilás, branco, vermelho, e por aí vai. Em seguida, as árvores que demoraram um pouco mais pra terem suas folhas de volta, mostram não apenas tons de verde dos mais variados, mas também, flores de diversos tamanhos e cores.
     Soma-se à tudo isso, as flores que um dia foram plantadas nos canteiros mas que, por serem bulbos, não precisam ser replantadas. E, "de repente", os jardins da cidade aparecem em cada esquina, cobertos por amores-perfeitos, margaridas, magnólias, várias florzinhas lindas que não sei o nome e, claro, as famosas e belas tulipas. Essas nascem em todo lugar. Nos canteiros das avenidas, embaixo de arbustos, no quintal do vizinho, na janela da senhorinha que vive tomando chá na varanda.  Tulipas rosas, amarelas, vermelhas, vermelhas e amarelas, roxas e brancas, cor de laranja, vinho, e suas combinações inusitadas. Tulipas de pétalas arredondadas, pontudas, dentilhadas, esfiapadas, de tipos que eu nem imaginava existirem.
     Com as flores vêm as sementes. Elas se espalham pelo ar em nuvens. Nuvens que, não fosse a temperatura, olhando-se de longe era possível jurar que estava nevando. E as sementes são encontradas em todo canto. Ontem, por exemplo, a Sophia dormia em cima do tapete da sala e, em cima dela, uma semente de dente de leão que entrou desavisada pela janela sem saber que ali não teria solo fértil pra crescer e, mais uma vez, embelezar o mundo. 
     Sim, temos primavera no Brasil, mas, infelizmente, não temos essa profusão de flores que desabrocham todas juntas tornando as cidades um grande jardim por algumas semanas. Mas, talvez, essa tenha sido a solução da natureza para tornar o inverno dos países frios mais tolerável.

sábado, 4 de maio de 2013

"Love is all you need"

     Existe uma teoria que ronda nossos pensamentos e corações, há anos (ou deveria dizer séculos?) alimentada por histórias de ficção, de que tudo que se necessita é amor. Tenho minhas dúvidas. Não, não estou falando de necessidades materiais nem básicas, apenas do amor mesmo.
     Se estes meses aqui em terras germânicas têm me ensinado alguma coisa, além de ficar em silêncio, é que amor por si só não basta.
     Tive o prazer de receber na minha casa esses últimos dias, duas amigas muito queridas. Cada qual está num momento diferente da vida no que diz respeito à relacionamentos. Uma namora, a outra casou ano passado. Convivendo com elas fui percebendo como o que elas têm com seus respectivos parceiros é muito mais que amor. Uma teve suporte e ajuda do marido mesmo antes de serem namorados, a outra tem uma relação de cumplicidade com o companheiro.
     Anos atrás os Beatles já diziam "all you need is love", e antes deles muitos outros o fizeram. Embora concorde com muito da utopia de "Imagine", de John Lennon, não concordo com "All You Need is Love". Sou uma das pessoas mais românticas que conheço. Adoro bilhetes surpresas, flores, presentes sem data, café da manhã surpresa e todo tipo de coisa que se possa imaginar. Gosto de receber essas coisas, mas principalmente, de fazer isso pra outra pessoa quando estou apaixonada. Mas não, não concordo que tudo que se precisa é amor.
     Amor sem apoio, sem elogio, sem carinho, sem cumplicidade, sem amizade, sem compreensão, sem entendimento, sem ouvidos para o outro, simplesmente não se sustenta. Para que o amor possa realmente prevalecer, ele precisa estar acompanhado de tudo isso ou não tem como durar. Ele pode até existir, mas não consegue crescer e engrandecer como deve.
     Tem coisa melhor que alguém que briga por você? Não no sentido de brigar para te conquistar, mas de comprar as suas lutas e te ajudar a seguir em frente. De te dar o braço e te ajudar a caminhar quando não se está conseguindo fazer isso sozinha.
     Então, por favor, cantem a música sim, mas façam mais que isso, ao amarem alguém, amem de peito aberto, dando além do amor, todos esses "pequenos" detalhes que fazem dele esse sentimento tão magnânimo. Amem sem medo de perder, sem medo de sofrer, sem medo de ser honesto, sem medo de ser quem você é, sem orgulho. Ame com carinho, com amizade, com apoio, com elogios, com compreensão. Ame de braços abertos para o choro e para o sorriso. Ame de ouvidos atentos para escutar o outro. Ame mostrando que você está ali para a pessoa amada. Amem, mas lembrem sempre que, amor sozinho não basta.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

Aprendendo a ficar em silêncio

     Faltam poucos dias pra completar oito meses em Berlim. Nesse tempo, muita coisa aconteceu. Muita coisa estranha, na verdade. Vim para cá com o coração aberto para as novas experiências, para uma nova vivência, mas, infelizmente, as coisas não sairam como se pensava. Aliás, quem está "próximo" (via Skype) bem sabe como tem sido complicado.
     Durante esses meses fui ficando introspectiva. Introspectiva não apenas por estar longe dos amigos e, assim, difícil de conversar com eles sobre o que acontece comigo; mas também porque os acontecimentos me fizeram olhar pra dentro de mim. Acho que nunca antes tive tanto tempo pra prestar atenção em tudo que passa aqui dentro. Um amigo está fazendo um exercício pra conhecer melhor o que se passa dentro dele e penso em fazer também. Consiste em escrever três páginas direto, ao acordar, de tudo que passa pela cabeça, sem censura, sem pensar, só escrever o que vier. Se for uma frase, uma palavra, um nome, um som, deve ser colocado no papel. Mas apenas escrever, não ler que é pra não se reprimir. Depois de um mês, você volta e lê tudo o que escreveu. Talvez seja uma boa aproveitar esse momento pra fazer isso. Que bichos será que aparecerão?
     Sinto como se estivesse em um período de meditação forçada. Uma auto-terapia intensiva onde todos os dias os grilos que rondam lá no fundo vêm à tona e sou obrigada a lidar com eles. Confesso que tem sido difícil, muito difícil devido ao turbilhão interno momentâneo, mas tenho enxergado algumas coisas com mais clareza.
     Em um dos dias mais difíceis, resolvi tirar uma carta do tarô para ver qual era o motivo de eu passar um ano aqui. Saiu a carta da "paciência". No Osho Zen Tarot, a carta "paciência" é representada por uma mulher grávida sentada, completamente em paz, sob as fases da lua. Ela não tem o que fazer além de ter paciência, pois as coisas estão mudando dentro dela e, uma hora, essas mudanças virão para fora. Achei perfeito com o momento. Tirando a diferença de não estar me sentindo completamente em paz, parece que a "paciência" caiu como uma luva para o momento.
     Fico pensando que no final de cada experiência sempre há uma lição. Exatamente qual é, ainda não sei. Mas tenho aprendido bastante sobre algumas coisas, principalmente a ficar em silêncio. Acho que nesses 8 meses fiquei mais tempo em silêncio do que em toda a minha vida. Presto atenção nos detalhes da minha trajetória, os caminhos tomados, as decisões, os orgulhos e os remorsos. Muito tempo dedicado ao passado. Às vezes é bom revisitá-lo. Quem sabe até faça uma imitação do broche "In Silence" que minha mãe trouxe das meditações dela no Ashram do Osho (lá na Índia). Berlim é, também, uma cidade silenciosa. Coisa essa que eu gosto muito. Com meu silêncio (e o da cidade), escuto o som dos passarinhos festejando a chegada da primavera, o som da respiração dos meus filhotes quando estão dormindo, o som da chuva na janela e, claro, o barulhinho da geladeira. Mas ouço, principalmente, meu coração. O que ele sente, o que quer, do que/de quem sente saudade.
     Meu serzinho interno está cheio de sentimentos e pensamentos em relação à vida, às mudanças, aos sonhos, às desilusões. Todos os dias penso muito em tudo que me levou a chegar aqui. Não apenas os motivos da mudança de país, mas toda minha trajetória de vida que faz de mim quem sou hoje. Caminhos muito interessantes e caminhos tortuosos. Muitos sorrisos e muitas experiências boas. Muita gente boa cruzou meu caminho nessa vida e, mesmo que não tenham permanecido no dia-a-dia, ficaram no coração. Se o silêncio serve pra pensar nelas, então, já vale muito a pena.