terça-feira, 15 de março de 2016

Não entendo.

   Juro que não entendo o pensamento corrente por algumas cabeças no Brasil de hoje. Tenho visto tanta reclamação de que as manifestações que estão ocorrendo só são atendidas pela classe média branca.
   Vamos começar pelo começo. O Brasil se encontra sob um sistema político chamado democracia. Diferente de um estado totalitário, a democracia permite que façamos a escolha dos nossos governantes e também permite que, se não estivermos satisfeitos, nos manifestemos por mudanças. Em nenhum momento vem atrelado ao direito de manifestação a classe social ou a etnia. Uma classe social não tem mais ou menos direito de se manifestar que a outra. O mesmo vale para a etnia.
   Sim, o Brasil tem um passado difícil, complicado e, historicamente falando, recente. O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão em 1888. A sociedade brasileira vem mudando desde então e continuará a mudar. A cor da classe média hoje é resultado de uma história turbulenta mas que está caminhando pra mudança, só que essas mudanças não acontecem da noite para o dia, nem em uma dezena de anos. Existem processos em andamento para que inclusões necessárias sejam feitas e mais pessoas possam ter acesso a um padrão de vida melhor (com tudo que isso significa), mas essas mudanças levam tempo. A classe média que hoje está aí, é, majoritariamente branca, sim, é verdade, mas isso não significa que não queira a inclusão, que não queira também uma sociedade mais justa. Ninguém tem culpa da cor ou da classe social onde nasceu. Nada disso desmerece o direito à indignação, à frustração, ao desejo de mudança. Nem um, nem outro, invalida o direito de manifestação.
   A classe média sustenta o país. Infelizmente, a classe pobre é tão miserável que não consegue arcar com a própria vida, que dirá com o imposto de renda e, em sua grande maioria, encaixa-se na classificação de "isento". A classe alta, uma minoria, sozinha não sustentaria esse enorme país. Quem arca com grande parte dos impostos é a classe média, trabalhadora que sua para ganhar a sua vida. Se olharmos pra nossa história, quem sempre foi pra rua se manifestar contra os rumos do país? Vamos nos reter ao século XX que é mais pertinente pela liberdade da nação e da população já estar mais consolidada. Lembrem-se, estamos falando da maioria dos que saíram para se manifestar. Quem foi a grande maioria que saiu às ruas para lutar contra a ditadura? A classe média. Quem foi de bandeira em punho pedir Diretas Já? A classe média. Quem saiu às ruas pedindo o impeachment do Collor? A classe média. Isso pra citar apenas três das várias manifestações populares do século passado. Então, continuo sem entender qual é o problema da classe média ir para a rua se manifestar agora. Criticar e desmerecer pela classe e pela etnia é uma forma de preconceito, sim, portanto, cuidado com esse caminho.
Aqueles que reclamam que os que vão às ruas são de classe média e/ou brancos, se estivessem insatisfeitos e saíssem em manifestação, também gostariam de ter seu direito respeitado.
Ao invés de ficarmos de picuinha com quem é que vai às manifestações, vamos permitir ao outro que utilize o seu direito democrático de mostrar a sua insatisfação. Não é necessário concordar com as manifestações, mas para que o país seja realmente melhor no futuro, é necessário saber respeitar o direito de todos de protestar, de cobrar mudanças quando sente-se necessário. Jamais 100% da população concordara e gritará em uníssono pelas ruas. Então, minha gente, vamos parar com essa guerra de classes que não leva a lugar algum. Ninguém é inimigo de ninguém. Quem quer mudança, protesta, quem não quer, nesse momento não sai às ruas. Num futuro, pode ser você o incomodado que precisará sair empunhando bandeira e pedindo um país melhor, e, quando esse dia vier, você também vai querer o seu direito de manifestação respeitado.
Vamos nos dar as mãos e pensarmos como uma nação que, seja pelo caminho que for, tem um só objetivo em comum: um país melhor para todos.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

A vida é um ciclo

Meu avô já dizia que a vida é um ciclo, sem nada antes ou depois, apenas o aqui e o agora. Ele era uma pessoa muito prática e sábia. Talvez ele estivesse certo ou, talvez, estivesse enganado e nós nos veremos novamente em algum momento. Eu acredito nisso.

Ontem, foi a vez da vovó ir ao encontro daqueles que a amam mas que já estão do outro lado do caminho.

Minha avó foi uma mulher incrível. Desafiou as convenções da época de sua juventude indo jogar vôlei escondida do meu avô. Mas, foi também um forte exemplo de sua geração. Amou suas duas filhas com todo seu coração.  Lutou pra dar a melhor educação pra elas. Amou suas quatro netas com a mesma força e devoção. Foi bisavó com a mesma dedicação, mesmo de longe. Cuidou de todos ao seu redor. Sempre que alguém vinha pedir ajuda, lá estava ela de braços (e portas) abertos. Amor não faltava. Nunca faltou. Era possível enxergar nos olhos dela.

Minha avó era cheirosa. Saía do banho e a casa inteira ficava perfumada. Sua pele segurava o perfume de forma que nunca vi em ninguém. E seu cheirinho delicioso pairava no ar por horas.

Adorava cuidar do jardim, tricotava os casacos mais lindos, fazia as cucas mais gostosas.

Sempre que íamos passar o verão com ela, éramos recebidas com o sorriso mais verdadeiro e uma casa cheia de delícias: barrinhas de chocolate, massas, bolachinhas, lasagnas, cassatas, tortas de bolachinha, e um freezer repleto de sorvetes, tudo feito por ela. Suas delícias eram tão disputadas que, na hora da sobremesa, dava até briga pelo tamanho das fatias. Meu avô se irritava e dizia para "trazer a trena", assim não teria diferença entre os pedaços.

No inverno, quando estávamos só nós duas e já abafadinhas nas nossas camas, era comum ela me perguntar com um olhar sapeca: "que tal um cremezinho?", e descia as escadas correndo pra preparar a delícia na cozinha gelada.

O olhar sapeca estava sempre presente quando o assunto eram sobremesas ou presentes que estava preparando para alguém. Assim como morder a ponta da língua. Marcas registradas da vovó.

Não gostava de melancias. Cresceu ouvindo que melancia mata e por isso não comia. Mesmo depois de anos casada com um alemão que adorava melancias, e de ver todas nós mandando ver em fatias da fruta no quintal durante as quentes tardes de verão, continuava não querendo nem experimentar. Também não gostava de sorvete derretido. Mal começava a derreter e ela já dizia que estava mole.

Amava café com leite e pão. Se deleitava com uma fatia de pão com mel e manteiga e uma xícara de café com leite tinindo de quente. Sim, tinha que estar bem quente. Era uma formiguinha: amava doces, tortas, barras de chocolate (as quais comia roendo como um coelhinho).

Nas manhãs frias de inverno, abria as janelas e deixava o ar gelado entrar para arejar a casa. Colocava travesseiros e cobertores no sol e descia para preparar o café da manhã. Só depois de tudo pronto é que vinha me acordar. Quando eu falava que ela não precisava me mimar desse jeito, ela respondia que vovós são feitas pra mimar os netos e dizia "eu sou tua mamãe de açúcar".

Quando, aos meus quatorze anos, voltei de viagem trazendo na mala um cachorrinho de pelúcia vestindo um macacão, ela gostou tanto do bichinho que acabei dando de presente pra ela. Até então, nunca tinha visto ela se interessar por bichos de pelúcia. Muitos anos mais tarde, ela iria ter vários.

Estava sempre cantando. Uma de suas maiores paixões: a música. Tinha uma voz linda que agraciava todos que tiveram o privilégio de escutá-la. Amava Pavarotti e se emocionava com suas interpretações.

Adorava os personagens italianos interpretados por Raul Cortez.

No fim da vida teve suas preciosas lembranças roubadas, retiradas dela contra sua vontade. Voltou a ser criança: adorava bonecas e bichinhos de pelúcia. Continuou a se deleitar com sobremesas e café com leite por algum tempo. Sua paixão, a música, foi a última coisa a ir embora. Não sabia mais as letras, mas por algum tempo ainda reconhecia as melodias. Aos poucos tudo foi partindo. Não merecia isso. Foi carinhosa até o fim, mesmo em seu mundo sem memórias. Mas, esquecendo-se de nós ou não, eu sei muito bem quem ela era e continuará sendo no meu coração. Merecia todo carinho, amor e respeito com que tratou todos que cruzaram seu caminho.

Agora está livre. Livre das amarras do tempo, do esquecimento, da dor. Pode, finalmente, descansar dos anos "em branco".

Aqui ficam as lições de vida, de bondade, de amor. Com ela aprendi a apreciar os pequenos detalhes, a delicadezas da natureza, a ver felicidade em pequenas coisas. Aprendi o verdadeiro significado de alegria todo dia, de apoio e respeito ao próximo.

Durante sua passagem por este mundo, ela o fez melhor, mais bonito, mais aconchegante. O ciclo se fechou. E que ciclo maravilhoso.

Obrigada, vovó, por todo amor que nos dedicou. Por todo carinho que sempre mostrou. Por todo cuidado que sempre teve com quem amava. Teu amor fez de todos nós, pessoas melhores.

Agora voa, voa livre e feliz. Reencontra teu alemão, teus irmãos e amigos, teus pais. Tu estarás sempre presente em nossos corações

Fica em paz, mamãe de açúcar, fica em paz.


"Não chore sobre o meu túmulo,
Eu não estou lá,
Eu não durmo.
Eu sou os mil ventos que sopram,
Eu sou a neve que cai suavemente,
Eu sou o sol brilhando nos grãos maduros,
Eu sou a suave chuva de outono.
Quando acordares no silêncio da manhã,
Eu sou o estímulo inspirador
Dos pássaros tranquilos voando em círculos.
Eu sou o suave brilho das estrelas à noite.
Não chore sobre o meu túmulo.
Eu não estou ali.
Eu não morri."

(Mary Elizabeth Frye)
tradução livre pela autora


terça-feira, 17 de março de 2015

Um belo lugarzinho na ilha

 


     Nesses últimos dias de inverno tenho passeado bastante pelo bairro que chamo de meu desde que vim morar em Montreal. É um dos maiores bairros da cidade e, como acontece na maioria das metrópoles, foi uma cidade independente até ser anexado à Montreal. Passeando pelas ruas e descobrindo lindas relíquias de tempos já idos, resolvi pesquisar a história desse lugar, mais conhecido pelo estádio olímpico que por suas belezas, chamado Hochelaga-Maisonneuve. Talvez vocês também achem interessante.

     Em 1664, a congregação de São Sulpício se tornou dona desse terreno que hoje corresponde a Hochelaga-Maisonneuve. Eles dividiram o terreno em faixas perpendiculares ao rio e estabeleceram fazendas.

     Devido às dificuldades de navegação do rio Saint Laurent naquela época, as mercadorias dos navios eram desembarcadas mais ao norte e trazidas para a cidade pelo Chemin du Roy (hoje essa rua atravessa a cidade de norte a sul e se chama Rue Notre-Dame). Foi nesse "caminho do rei" que as primeiras casas à beira do rio foram construídas.

Antiga casa do banqueiro Maurice Cuvillier
     No início do século XIX, várias reformas foram feitas em Montreal, entre elas, melhoria do sistema de trens, de navegação, do porto e pavimentação da rua Notre-Dame para retardar a erosão causada pelas enchentes. A vila de Hochelaga também cresceu e, em 1870, foi oficialmente fundada. Os fazendeiros venderam suas terras e famílias de classe-média alta se mudaram para a região.

Georges Moore Memorial Home (asilo)

     A vila se expandiu rapidamente e os cofres públicos foram esvaziados devido às necessidades de construção de infraestrutura básica, como esgotos e aquedutos, assim, a idéia de anexar Hochelaga à cidade de Montreal, foi rapidamente aceita. Em 1883, Hochelaga já era parte de Montreal.

     Quando Hochelaga foi anexada à Montreal, um grupo de donos de terras, cujos nomes são ainda hoje bem conhecidos por aqui, resolveu criar uma cidade modelo baseada no movimento City Beautiful que se espalhava pelo país. Esse movimento promovia a criação planejada de beleza cívica através da harmonia arquitetônica, projeto unificado e variedade visual. Seguindo esse modelo, a cidade de Maisonneuve foi criada. O terreno foi dividido em retângulos onde seus criadores planejavam construir fábricas e grandes edifícios institucionais.

Prefeitura de Maisonneuve
     Entre 1896 e 1915, Maisonneuve cresceu rapidamente, sua política de isenção de impostos atraiu muitas fábricas, o que, por sua vez, atraiu muitos trabalhadores. O empresário e agricultor Charles-Théodore Viau sonhava em criar uma cidade modelo em suas terras (Viauville) e exigiu que os compradores de seus lotes construíssem casas com fachadas de pedra.

Banho público Maisonneuve
     A Grande Depressão (1929 - 1939) pesou sobre as fábricas e os trabalhadores do distrito, obrigando várias famílias a recorrer à assistência social. Projetos de obras públicas, incluindo a criação do Parque Morgan, visavam a criação de trabalho para os desempregados. Durante a Segunda Guerra Mundial, esses projetos foram suspensos e substituídos pela indústria de defesa, o que resultou na recuperação econômica da década de 1960.

Convento Hochelaga
     A construção de grandes infraestruturas de transporte, como a Highway 25, em 1967, e a rodovia leste-oeste demoliu cerca de 2.000 casas e edifícios institucionais, incluindo o impressionante convento de Hochelaga.
Muitas fábricas se mudaram para o leste, na região de Mercier (um antigo aglomerado das vilas de Beau-Rivage, Longue-Pointe e Tétreaultville, anexado à Montreal em 1910). Essas mudanças, combinadas com a mudança de capital e de produção para Toronto, prejudicaram a economia e a vitalidade do bairro. Muitas fábricas e residentes se mudaram da área.

Mercado Maisonneuve
     A chegada das Olimpíadas de 1976, transformou a paisagem arquitetônica do bairro, através da construção de alguns edifícios impressionantes. Durante os anos 1980 e 1990, o Mercado Maisonneuve, que estava fechado desde 1962, foi reaberto, e a primeira casa de cultura de Montreal (a Maison de la Culture) foi aberta onde antes funcionou a antiga prefeitura de Maisonneuve. Novos setores residenciais foram criados na extremidade norte do bairro.

American Can Co.
     Hoje, fábricas abrem espaço para uma indústria de serviços composta por pequenas e médias empresas. Hochelaga-Maisonneuve mantém uma ativa vida comunitária com seus cafés e bistrôs e organizações comunitárias e patrimoniais. A reabilitação da antiga fábrica American Can, várias melhorias e a revitalização gradual das ruas comerciais, incluindo a Promenades Sainte-Catherine e Rue Ontário, são outros sinais da renovação do bairro. Atualmente, a população de Hochelaga-Maisonneuve é composta, em sua maioria, de idosos e não têm tantas crianças quanto outros bairros de Montreal.
Localização do bairro em Montreal
   
A área de Hochelaga-Maisonneuve é delimitada a leste e oeste pela linha férrea paralela à Moreau e Vimont Streets e se estende da rua Sherbrooke, ao norte, à rua Notre-Dame Street, ao sul. Hochelaga-Maisonneuve foi integrado a outro bairro, Mercier e hoje, o nome completo do bairro é Mercier Hochelaga-Maisonneuve.

Maisonneuve, fundador de Montreal
Mercier refere-se ao aglomerado de vilas como dito anteriormente; Hochelaga é uma palavra indígena iroquois que significa "dique do castor" ou "lago do castor"; e Maisonneuve é uma homenagem ao fundador de Montreal, Paul de Chomedey, sieur de Maisonneuve, militar francês que fundou Montreal na, então, Nova França em 1642.
     Muitas das preciosidades arquitetônicas do bairro continuam de pé e em pleno funcionamento, Vale a pena visitar.



Avenida Morgan com Mercado Público Maisonneuve e torre do Estádio Olímpico ao fundo - inverno 2015




Fontes:
Héritage Montreal
The Canadian Encyclopedia
Musée McCord

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A saga dos "momentos Bridget Jones"

O Diário de Bridget Jones - Universal Pictures, 2001


 "Por que é que existem tantas mulheres solteiras na faixa dos 30 hoje em dia, Bridget?"


     Ultimamente tenho vivido muitos "momentos Bridget Jones", com a diferença de que já sou mais velha do que ela no primeiro livro, o que só faz com que esses momentos sejam ainda mais estranhos. Um dia destes, alguém que conheci recentemente (e com quem nunca tive qualquer conversa sobre a minha vida privada), de repente perguntou: "Então, a razão pela qual você está solteira é porque você só conheceu pessoas ruins em sua vida?". Vamos ser claros: a pergunta foi baseada exclusivamente no fato de eu ter 37 anos de idade, ser solteira e sem filhos (porque na maneira de pensar dessa pessoa, de alguma forma, ter filhos significa que você encontrou alguém "bom" em algum momento. Aham ... .). Sem dar muita consideração à resposta - já que fui pega de surpresa e não podia acreditar nos meus ouvidos - respondi imediatamente "não, não é isso". A pergunta era séria?
     Os dias se passaram e eu fiquei pensando por que as pessoas assumem que se você é solteiro é porque você só conheceu idiotas? Isso me fez pensar sobre as poucas pessoas na vida com quem tive um relacionamento e fico feliz em dizer que tenho sido, basicamente, "livre de idiotas". Não tive muitos relacionamentos: apenas dois vida curta e dois que duraram alguns anos. É claro que todos tiveram seus altos e baixos, mas também deixaram boas lembranças, mesmo o mais difícil deles teve bons momentos e esses são os que valem a pena lembrar.
     Todo mundo tem suas próprias questões, eu certamente tenho as minhas. Relacionamentos têm seus próprios problemas, e é natural tentar resolvê-los. Alguns são mais fáceis, outros mais difíceis; ao longo do tempo, uns tornam-se mais fáceis, outros mais complicados, é como a vida é. Eu nunca iria culpar a outra pessoa por estar solteira nos meus "30 e muitos".
     Eu tive dois relacionamentos maravilhosos, se nenhum deles progrediu o suficiente e acabou em casamento é porque não era o momento certo, mas nunca foi porque a outra pessoa era ruim. Relacionamentos são vias de duas mãos e posso dizer que tive a sorte de conhecer pessoas incríveis e inesquecíveis que estarão para sempre no meu coração.
     Então, a minha resposta para essa estranha pergunta é: eu estou solteira porque eu estou. A vida nem sempre acontece de acordo com nossos planos, na maioria das vezes é exatamente o oposto, mas isso não significa que eu não estou feliz. Minha felicidade não está condicionada a estar em um relacionamento, mas a estar em paz com quem eu sou. E, se algum dia, aparecer alguém com quem a relação leve ao casamento e à família, sim, vai ser bom, mas não vai ser "o" motivo da minha felicidade,vai ser, simplesmente, uma adição ao que já é bom.

Bridget Jones: No Limite da Razão - Universal Pictures, 2004

domingo, 4 de janeiro de 2015

As emoções dos idiomas

     Esses últimos dias, além de procurar emprego e enviar currículos, tenho me focado em melhorar os idiomas que aprendi até hoje. Cada dia é dedicado a um deles e todos passam pelas mesmas fases: exercícios de gramática e vocabulário, leituras, e assistir programas para (re)acostumar os ouvidos.
     Algumas pessoas associam países à comida, à música, à arte. Mas eu também associo com sensações. É o som, a melodia da língua que me faz associá-la a uma sensação diferente. É como se cada idioma tivesse uma característica própria e esta estivesse relacionada à alguma emoção. Independente do que se esteja dizendo. Ok, vamos ver se consigo me explicar melhor. Por exemplo:

quando se fala inglês americano, a conversa soa "legal" (cool).



Já o inglês britânico, não interessa se o diálogo se trata de uma briga, sempre soa extremamente educado.






   

     Francês, que me desculpem os amigos francófonos, por mais que alguém esteja sendo verdadeiramente simpático, sempre soa um pouco prepotente.

Italiano é, para mim, a linguagem do romance. Não interessa se duas pessoas estão brigando, pra mim a melodia é sempre romântica, e olha que já tive minha oportunidade de ser grossa nessa língua.






     E, alemão... bom, alemão acho que não sou a única que pensa assim, soa um pouco duro. Convenhamos, quando se quer reclamar de algo a reclamação parece ter mais força em alemão do que em qualquer outra língua ocidental. Mas, sinceramente, eu adoro. Adoro o som, a dificuldade da pronúncia e as lembranças boas que me traz, apesar da dificuldade da gramática.



     Já me perguntaram qual associação faço com a língua portuguesa. Bom, talvez por ser minha língua materna, o português do Brasil não tem esse efeito sobre mim, e o português de Portugual ainda não consegui definir muito bem.
     E pra vocês? Como seria?

domingo, 24 de agosto de 2014

A difícil tarefa de escrever um currículo

     Como quase todos que me conhecem sabem, passei a maior parte da minha vida correndo atrás da profissão que me deixa mais feliz no mundo: atuar. Perdi as contas de quantos testes, críticas (nem sempre construtivas), portas na cara e murros em ponta de facas dei dos 14 aos 32 anos. 
     Quando a ficha do "pós 30" caiu, decidi que então iria dar uma satisfação à família e à sociedade e terminar, finalmente, um curso universitário. Era a pressão social junto com a pressão interna pra "criar vergonha na cara e me sustentar". O que quase ninguém sabe é que não foi apenas no teatro que dei muito murro em ponta de faca. Toda vez que me candidatava a um trabalho, qualquer que fosse, era rejeitada. Se não fosse logo na seleção dos currículos, era na primeira entrevista ou nas insuportáveis dinâmicas de grupo (pra que ainda fazem isso? Não prova absolutamente nada da competência pro trabalho.). O mais engraçado, e irritante, eram as desculpas furadas do porquê eu não tinha conseguido a vaga, pois em geral, só recebia esse tipo de comentário: "na dinâmica você provou ser líder sem ser ditatorial, isso é muito bom!", "você sabe se comunicar", "você é adaptável a diferentes tipos de ambiente de trabalho", etc. Aí quando eu perguntava "então, por que não consegui a vaga?", as respostas eram do tipo "você não tem uma formação superior", ou dependendo do trabalho "você é muito qualificada para a vaga" (depois do diploma a desculpa mudou para "você é pouco qualificada para o trabalho". Aham...), "você não tem experiência prévia na área" (espera aí, mas e os concorrentes de 18 anos que também estão tentando a vaga no estágio, por acaso têm qualquer experiência? Nem de vida ainda!), etc.
     Por essas e por outras meu currículo não possui nenhum emprego de tempo integral ou longa duração. Todos os trabalhos que fiz foram freelancer e/ou temporários. Finalmente, em 2008, alguém deu algum valor para o tal currículo "picado" e consegui um trabalho, de novo freelancer, mas que durou até minha mudança do Rio. De qualquer maneira não pagava nem as contas.
     Hoje, me encontro tentando conseguir emprego aqui em Montreal, sem sucesso até agora. Tudo bem, eu sei que aqui francês é obrigatório e ainda não possuo francês bom o suficiente para lidar com o público, mas existem muitas vagas para empresas anglófonas. E, outro fato estranho, por que não consigo nem as vagas de tempo parcial oferecidas dentro da própria universidade onde francês não é necessário?
     Entreguei meu currículo para uma amiga que me disse como reestruturá-lo para o modelo canadense, o que talvez aumentasse minhas chances. Agradeci a ajuda e fiz as alterações. E lá se foram mais vários currículos nas mais diversas direções e pras mais diversas funções. Nada.
     Confesso que é difícil não desanimar, não começar a se entregar pra conhecida sensação de fracasso que mora escondidinha lá dentro e que, apesar de domada por anos de terapia, de vez em quando escapa e vem à tona. Manter o otimismo, continuar a procura por qualquer trabalho que queiram me aceitar quando de novo me sinto dando murro em ponta de faca, é muito desgastante. Não tenho a chance de nem ao menos mostrar que sou esforçada, que aprendo rápido e que trabalho duro se me derem a oportunidade de trabalhar.
     Onde estará o erro? Por que as portas não se abrem? Cada ano que passa o tal currículo fica mais sem sentido. Detesto esse sistema. Currículos não provam nada sobre a real capacidade e qualidade do trabalho da pessoa a quem pertencem.
     Enfim... a revolta precisava sair de dentro de mim. Tudo isso só pra falar que não sei mais que "fórmula" usar pra escrever os dito cujos. Nada parece funcionar. Começo a pensar se deveria fazer um "curso técnico de sei lá o quê bem mão na massa do que se precisa pelo mundo" pra ver se aparece alguma coisa. Mas, pra ser sincera, não acredito que adiante.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Entrevistas de Emprego

   
Fonte da imagem: onlinedegrees.com
     A primeira entrevista de trabalho em um país estrangeiro a gente nunca esquece!
     Era uma manhã ensolarada e quente de primavera em Montreal e lá fui eu para uma entrevista coletiva. No Brasil, entrevistas coletivas significam dinâmicas de grupo e vários exerciciozinhos chatos a serem realizados com ou sem os "coleguinhas". Saí de casa já psicologicamente preparada pra enfrentar a sabatina de chatices que essas dinâmicas trazem. Cheguei lá e, pra minha surpresa, ao invés de 30 pessoas esperando ansiosamente, eramos apenas 10. Entramos  na sala e me senti num "reality show" esquema "The Apprentice". Ao contrário de Donald Trump, os avaliadores eram simpáticos e sorridentes e, também, em número muito superior ao que costuma acontecer em território brasileiro. Para os 10 candidatos haviam seis avaliadores.
     Duas mesas compridas, uma de frente para a outra, se encontravam na sala com nossos lugares devidamente marcados por plaquinhas com nossos nomes. A primeira hora da entrevista coletiva foi uma apresentação da empresa, do trabalho para o qual estão contratando, das possibilidades de crescimento e do processo de seleção. Até aí, nenhuma novidade. A segunda parte começou com a apresentação individual dos candidatos. Deveríamos dizer nossos nomes, de onde somos e algum feito que nos traga realização e diga um pouco sobre nós.
     Começaram as apresentações e eu fui escolhida para ser a segunda. Fiz aquela apresentação básica: "meu nome é Flora Romero, venho do Brasil, estou cursando mestrado em história na McGill, blábláblábláblá", na hora da realização falei que me sinto orgulhosa de ter traduzido um livro fantástico sobre meio ambiente.Daí vieram os outros. Do "alto" dos seus 20 e pouquíssimos anos saíam vomitando cifras e mais cifras dos mais diversos motivos pelos quais arrecadaram dinheiro. Falavam aquelas coisas básicas (e ridículas) como "trabalho pesado e sou focado em metas". Eu apenas observava e pensava que tem tanta coisa mais interessante na vida... olhava ao redor e me via como um peixe fora d'água. Eu não tenho cifras pra falar, não ficarei enchendo a boca pra dizer que trabalho pesado porque quem já trabalhou comigo sabe e quem ainda não trabalhou vai descobrir, além do mais, sempre penso que, quem se enche demais acaba fazendo o oposto na hora "h".
     Saí da entrevista coletiva já sabendo que não seria chamada pra entrevista individual que aconteceria essa tarde. Era óbvio que eu não fazia parte daquilo ali. Saí com a certeza de que não nasci pro mundo dos negócios. Jamais serei alguém que sai falando números, ou contando vantagem sobre realizações. O que exatamente é uma realização? É algo tão pessoal. Algumas pessoas acreditam que ter feito muito dinheiro num determinado momento é algo de que se orgulhar e se gabar. Sem problemas. Eu jamais serei dessas pessoas. Pra mim, realizações são coisas que deixam a mente e o coração felizes. Trabalhar num navio do Greenpeace, aprender a ler, passar de ano em quimica/física/matemática, aprender vários idiomas, publicar um artigo, ver a sementinha que plantei virar uma planta e dar frutos, receber um elogio sincero por um personagem bem trabalhado, ver meu trabalho de tradução nos mais diversos lugares, ter participado do movimento escoteiro, aprender a tocar um instrumento musical (e/ou cantar), ter poucos mas sinceros amigos... essas são algumas das coisas que considero grandes realizações, e as guardo, bem guardadinhas, no coração.